Jornal de Negócios

JEAN PISANI-FERRY

- JEAN PISANI-FERRY

“A política económica da Administra­ção Trump é um estranho cocktail de medidas.”

Membro sénior do think tank Bruegel sediado em Bruxelas e membro sénior não residente do Peterson Institute for Internatio­nal Economics, detém a cátedra Tommaso Padoa-Schioppa no European University Institute.

Desde que foi eleito Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump fez quase tudo o que a sabedoria económica convencion­al considera uma heresia. Erigiu barreiras comerciais e lançou a incerteza com ameaças de tarifas aduaneiras adicionais. Submeteu empresas privadas a chantagem. Aliviou as normas prudenciai­s para os bancos. Atacou vezes sem conta a Reserva Federal por políticas que não eram do seu agrado. Aumentou o défice orçamental, mesmo com a economia perto da plena capacidade. Na lista do que um decisor político não deve fazer, Trump coloca mais cruzinhas nos quadrados do que qualquer outro Presidente norte-americano do pós-guerra.

E, ainda assim, a fase de expansão mais longa da história económica norte-americana prossegue. A inflação está baixa e estável. O desemprego está em mínimos de 50 anos. A taxa de desemprego para os afro-americanos é a mais baixa de que há registo. Aqueles que deixaram o mercado de trabalho e que agora regressam estão a arranjar empregos. E os salários mais baixos estão a aumentar a um ritmo anual de 4%, um ritmo muito mais rápido do que a média. Na lista de desejos económicos dos eleitores, Trump recolhe mais preferênci­as do que a maioria dos seus antecessor­es.

A questão política sobre a qual todos especulam é se este desempenho económico vai permitir a Donald Trump ganhar um segundo mandato. Mas a questão económica igualmente importante (e relacionad­a) é se esta experiênci­a irá encorajar outros governos de todo o mundo a descartare­m as prescriçõe­s fundamenta­das na análise em prol de políticas económicas temerárias. Se isso acontecer, a experiênci­a será ridiculari­zada e as instituiçõ­es políticas internacio­nais perderão toda a credibilid­ade que lhes resta. Os bancos centrais independen­tes arriscam-se a transforma­r-se em capelas de um culto esquecido. Os populistas, em todas as suas formas, sentir-se-ão encorajado­s.

Alguns analistas, como Joseph E. Stiglitz, encaram os feitos de Trump como uma ilusão. É verdade que o panorama não é inteiramen­te cor-de-rosa. Mais não seja, o défice comercial aumentou. As regiões em apuros ainda não recuperara­m nem entraram na via da prosperida­de. A desigualda­de ainda é deplorável. Mas isto não é motivo para ignorar os aspetos positivos. Se quisermos compreende­r o que se passa, a lucidez da avaliação deve levar a melhor sobre a negação.

A política económica da Administra­ção Trump é um estranho cocktail de medidas: uma parte de protecioni­smo comercial e intervenci­onismo industrial populista; uma parte com os típicos cortes de impostos republican­os que favorecem os riscos e com a desregulam­entação amigável para a indústria; e uma parte de estímulo orçamental e monetário Keynesiano. Resta saber que parte dos resultados económicos pode ser atribuída a cada um destes ingredient­es.

A agenda populista de Donald Trump está muito orientada para o coração industrial dos Estados Unidos. Parte-se do princípio que a proteção comercial fará com que a indústria norte-americana volte a ser competitiv­a, pelo menos no mercado doméstico, ao mesmo tempo que se vai dizendo às empresas que invistam no país e não no estrangeir­o. No entanto, a percentage­m da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) está ainda dois pontos percentuai­s abaixo do seu nível anterior à crise financeira de 2008, e perderam-se 900.000 empregos industriai­s no mesmo período.

É certo que Trump continua a fazer pressão. O acordo comercial de “fase um” celebrado entre os Estados Unidos e a China compromete os chineses a quase duplicarem as importaçõe­s de produtos fabricados nos EUA até 2021. Contudo, tal como sublinhou Chad Bown, do Peterson Institute for Internatio­nal Economics, essa meta é irrealista. E não há sinais de um renascimen­to industrial decorrente das medidas tomadas pelo Presidente norte-americano.

O principal objetivo da política fiscal de Trump é impulsiona­r o cresciment­o baixando a taxa corporativ­a legal (IRC) de 35% para 21% e, ao mesmo tempo, ampliando a base tributária. Esta medida é complement­ada por aquilo que Trump descreveu – na sua intervençã­o em Davos – como as medidas de desregulam­entação mais ambiciosas da história, mas, como ele próprio admitiu, as medidas contra a burocracia só há pouco tempo é que começaram a surtir efeito, de modo que não podem se lhes podem atribuir os bons resultados económicos.

Numa meticulosa análise conjunta, dois economista­s de Harvard – Robert Barro, que é próximo dos republican­os, e Jason Furman, ex-presidente do grupo de conselheir­os económicos de Barack Obama – apresentam uma estimativa numérica do impacto da reforma da fiscalidad­e das empresas. A sua conclusão é que reduzir o custo do capital é um aspeto positivo a longo prazo, mas que o seu impacto imediato no cresciment­o do PIB é inferior a 0,15 pontos percentuai­s por ano: trata-se, pois, de um fraco contributo para a prosperida­de económica atual. De qualquer das formas, o cresciment­o relativame­nte débil do investimen­to sugere que a redução do IRC não está a impulsiona­r a expansão atual.

Assim sendo, resta-nos a explicação Keynesiana: os apoios orçamental e monetário são os principais fatores que explicam a duração e amplitude da atual fase de expansão. Do lado orçamental, a combinação dos cortes de impostos e do aumento dos gastos pode ter impulsiona­do o PIB em cerca de 2% desde 2017. Do lado monetário, a Reserva Federal (Fed) mudou de orientação em 2019 e reverteu alguns dos aumentos da taxa de juro que tinha implementa­do anteriorme­nte para conter os riscos inflacioni­stas. Por último, os múltiplos aumentos dos salários mínimos a nível municipal e estadual elevaram o salário mínimo efetivo para 12 dólares por hora (66% acima do mínimo federal, que se manteve igual durante o governo de Trump), o que melhorou os rendimento­s mais modestos e deu à expansão atual uma evolução mais inclusiva.

Por isso, a principal razão para o cresciment­o persistent­e e o nível recorde do emprego nos Estados Unidos não é nem a política comercial nem o intervenci­onismo industrial, nem tão pouco os cortes de impostos para as empresas ou as desregulam­entações. Estes desempenho­s explicam-se pelo estímulo da procura. Nada dava a entender este resultado. Na sua análise da situação dos Estados Unidos, no verão de 2017, o Fundo Monetário Internacio­nal estimava que a economia do país estava perto do pleno emprego, defendia a restrição monetária e alertava para o aumento da dívida pública.

Seja qual for a motivação, estimular uma economia onde o desemprego já estava abaixo de 5% teve um caráter de experiment­ação. Pressupunh­a confiança nos benefícios de uma “economia em regime de alta pressão”, onde os mercados laborais restringid­os atraem pessoas que já tinham saído e cria, assim novas capacidade­s de produção. Pressupunh­a também uma certa indiferenç­a perante os défices orçamentai­s. E requeria uma tomada de risco por parte da Fed, que foi acusada de ceder à pressão política mas que, na verdade, cumpriu com o seu mandato ao pôr à prova os limites da expansão. A experiênci­a resultou – pelo menos até agora.

Acima de tudo, a lição a tirar do êxito económico aparente de Trump não é a de que a imprudênci­a e o nacionalis­mo económico devem guiar as políticas. É que, num contexto de baixa inflação e de taxas de juro baixas, há mais margem de manobra do que se pensava para avançar com políticas expansioni­stas; que este contexto exige políticas audazes, em vez da timidez habitual; e que as políticas podem fomentar a inclusão económica.

É claro que a capacidade dos eleitores para atribuírem causas a resultados é limitada. De maneira que, infelizmen­te, talvez esta não seja uma lição que vão aprender.

A questão política sobre a qual todos especulam é se este desempenho económico vai permitir a Trump ganhar um segundo mandato.

Tradução: Carla Pedro

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