Pela autoridade do governador
Agora que é certo que Mário Centeno será o próximo líder do Banco de Portugal, deixou de se falar sobre as novas regras para a nomeação do governador. É pena, porque o caso mostra que elas devem mesmo mudar. A oportunidade está criada, é aproveitá-la. Ao longo de cinco dias o Negócios publicou uma série de trabalhos sobre a nomeação do governador e a relação, muitas vezes tensa, entre Banco de Portugal e governos. Quem os leu sabe que em 22 anos apenas por uma vez os deputados foram capazes de se entender sobre uma mudança na lei orgânica do regulador: foi em 2015, quando, por iniciativa do PS, a nomeação do governador passou a prever uma audição do Parlamento, não vinculativa.
Outra constatação que se retirava do trabalho é que desde o 25 de Abril e até ao ano 2000, os governadores vinham, quase sempre, diretamente do Ministério das Finanças. Mas desde que Portugal aderiu ao euro, Mário Centeno será o primeiro. E o motivo é simples: se antes a gestão pelo Banco de Portugal da política cambial e monetária “pedia” uma relação mais próxima com o Governo, o enquadramento da moeda única trouxe uma exigência de maior independência, como salientou, ao Negócios, Eduardo Paz Ferreira.
Ora, a independência de que o cargo se deve revestir recomenda a intervenção de pelo menos dois órgãos de soberania, que é de resto o modelo mais comum na Zona Euro, adotado por 14 dos 19 Estados da moeda única. Na maioria, o Governo propõe e o chefe de Estado aprova. Portugal e Chipre são os únicos onde este poder está apenas na mão do Governo.
As regras do “bom governo” recomendam a intervenção de dois poderes, justamente para prevenir que um deles possa impor os seus interesses particulares na escolha. É por aqui que deve ir também a legislação portuguesa.
As mesmas boas práticas recomendam períodos de nojo na passagem entre regulador e regulado ou entre funções governativas e na administração do Banco de Portugal. Susana Coroado, investigadora do Instituto de Ciências Sociais, fez um estudo sobre a realidade portuguesa e encontrou uma “plataforma giratória”. Claro que é necessário bom senso, para evitar que o universo potencial de candidatos nomeáveis se torne um conjunto vazio. Convém não perder de vista que tão importante como a independência é a competência para o exercício do cargo. É a soma das duas que resulta na imprescindível autoridade que um governador tem de ter, reforçando a própria instituição.
O processo de nomeação do governador deve mudar, até para fazer prova de que as propostas que deram entrada no Parlamento eram mais do que um processo “ad hominem” com o rosto de Mário Centeno.