Ronaldo das Finanças brilhou mais cá do que na Europa
Mário Centeno preside hoje à última reunião como líder do Eurogrupo. Ex-ministro quer fortalecer relação do Banco de Portugal com o Governo
Mário Centeno, que participa hoje na sua última reunião do Eurogrupo, foi incapaz de transpor para o plano europeu os “brilharetes” que marcaram os seus mandatos como ministro das Finanças.
A estabilização das contas públicas nacionais e a ida além das metas orçamentais fixadas por Bruxelas – que permitiram o primeiro excedente orçamental da democracia – valeram-lhe a alcunha de Ronaldo das Finanças junto dos pares europeus. Já o mandato como líder dos ministros das Finanças da moeda única ficou aquém das expectativas decorrentes do sucesso ao nível doméstico.
“Infelizmente, Mário Centeno não foi uma mais-valia para Portugal, nem para a UE. O Ronaldo das Finanças fez umas fintas em Portugal, mas não marcou nenhum golo na Europa”, lamenta o eurodeputado do PSD, José Manuel Fernandes.
José Gusmão, do Bloco de Esquerda, partilha desta análise. “A passagem de Centeno pelo Eurogrupo foi inócua. Teve um papel muito pouco relevante comparativamente com anteriores presidentes. Adotou plenamente a retórica habitual da contenção orçamental”, sustenta o eurodeputado do Bloco de Esquerda que viu no antecessor, Jeroem Dijsselbloem, alguém mais comprometido com os interesses do país de origem.
Perspetiva distinta é a de Pedro Marques, eurodeputado do PS, que vê o ex-colega de governo como “um dos responsáveis pela mudança de agulha na política orçamental, o virar da página da austeridade”. A passagem de Centeno pelo Eurogrupo coincidiu com um período de expansão económica, na Europa e no resto do globo.
Prioridades marcam passo
Logo que assumiu a chefia do Eurogrupo, Mário Centeno estabeleceu como trave-mestra do seu mandato o reforço da integração da Zona Euro, por duas vias: dotar o bloco do euro de capacidade orçamental própria e capaz de prevenir crises sistémicas; e completar a união bancária, designadamente mediante a conclusão do seu terceiro pilar, o sistema europeu de garantia de depósitos (EDIS).
Ante a objeção dos países zeladores da disciplina orçamental, houve acordo para criar um Instrumento Orçamental para a Convergência e Competitividade (BICC) na área do euro, muito aquém das expectativas de Lisboa, Paris ou Roma. O primeiro-ministro português, António Costa, disse estar “mal desenhado”.
Entretanto irrompeu a pandemia e a Comissão Europeia avançou uma proposta para um Fundo de R ecuperação que integra o BICC, mas para os 27 Estados-membros. Serve de consolação que o agora previsto instrumento de recuperação e resiliência aplique o princípio definido pelo Eurogrupo – financiar reformas e investimentos tendentes a uma maior convergência.
Quanto ao terceiro pilar da união bancária, as negociações prosseguiram, mas a respetiva conclusão foi adiada, primeiro, para 2019, e depois para 2020.
Mais consensual foi o papel desempenhado por Centeno nestes meses de crise sanitária. O português liderou a discussão que permitiu fechar um pacote de 540 mil milhões de euros de resposta à crise e direcionado a proteger economias, empresas e trabalhadores. No entanto, Centeno não se livra de críticas a um pacote exclusivamente assente em empréstimos (mais dívida).
Intenções iniciais ficaram na gaveta
A carta de motivação que Centeno remeteu para Bruxelas aquando da candidatura à presidência re
“O Ronaldo das Finanças fez umas fintas em Portugal, mas não marcou nenhum golo na Europa. JOSÉ MANUEL FERNANDES Eurodeputado do PSD “A passagem de Centeno pelo Eurogrupo foi inócua. Teve um papel muito pouco relevante.
JOSÉ GUSMÃO Eurodeputado do Bloco de Esquerda “[Centeno] foi um dos responsáveis pelo virar da página da austeridade.”
PEDRO MARQUES eurodeputado do PS
feria a intenção de o futuro governador do Banco de Portugal definir regras orçamentais “mais simples, compreensíveis e transparentes”. Só que esta semana, em entrevista ao Financial Times, Centeno disse ser preciso repensar as regras de disciplina orçamental do Pacto de Estabilidade e Crescimento, atualmente suspensas em virtude dos efeitos da pandemia, um reconhecimento de que nada se concretizou nesse domínio.
Na candidatura ao cargo, o economista criticava ainda as doses cavalares de austeridade previstas em programas de assistência financeira como os concedidos a Portugal e à Grécia. Contudo, já nas vestes de líder do Eurogrupo, e após ter contribuído para a “saída limpa” helénica, ainda que sob monitorização apertada de Bruxelas, o português elogiou o resgate concedido a Atenas, notando que os “benefícios ainda não são sentidos em todos os quadrantes da população”.
A imprensa europeia divide-se quanto ao grau de reconhecimento existente nas diferentes capitais em relação ao desempenho de Centeno. Mas apesar da candidatura fracassada, no verão passado, ao Fundo Monetário Internacional, o português deverá manter ambições quanto a uma carreira internacional. Depois do Banco de Portugal, quererá o Banco Central Europeu? Fica a pergunta.