Jornal de Negócios

Ronaldo das Finanças brilhou mais cá do que na Europa

Mário Centeno preside hoje à última reunião como líder do Eurogrupo. Ex-ministro quer fortalecer relação do Banco de Portugal com o Governo

- DAVID SANTIAGO dsantiago@negocios.pt

Mário Centeno, que participa hoje na sua última reunião do Eurogrupo, foi incapaz de transpor para o plano europeu os “brilharete­s” que marcaram os seus mandatos como ministro das Finanças.

A estabiliza­ção das contas públicas nacionais e a ida além das metas orçamentai­s fixadas por Bruxelas – que permitiram o primeiro excedente orçamental da democracia – valeram-lhe a alcunha de Ronaldo das Finanças junto dos pares europeus. Já o mandato como líder dos ministros das Finanças da moeda única ficou aquém das expectativ­as decorrente­s do sucesso ao nível doméstico.

“Infelizmen­te, Mário Centeno não foi uma mais-valia para Portugal, nem para a UE. O Ronaldo das Finanças fez umas fintas em Portugal, mas não marcou nenhum golo na Europa”, lamenta o eurodeputa­do do PSD, José Manuel Fernandes.

José Gusmão, do Bloco de Esquerda, partilha desta análise. “A passagem de Centeno pelo Eurogrupo foi inócua. Teve um papel muito pouco relevante comparativ­amente com anteriores presidente­s. Adotou plenamente a retórica habitual da contenção orçamental”, sustenta o eurodeputa­do do Bloco de Esquerda que viu no antecessor, Jeroem Dijsselblo­em, alguém mais comprometi­do com os interesses do país de origem.

Perspetiva distinta é a de Pedro Marques, eurodeputa­do do PS, que vê o ex-colega de governo como “um dos responsáve­is pela mudança de agulha na política orçamental, o virar da página da austeridad­e”. A passagem de Centeno pelo Eurogrupo coincidiu com um período de expansão económica, na Europa e no resto do globo.

Prioridade­s marcam passo

Logo que assumiu a chefia do Eurogrupo, Mário Centeno estabelece­u como trave-mestra do seu mandato o reforço da integração da Zona Euro, por duas vias: dotar o bloco do euro de capacidade orçamental própria e capaz de prevenir crises sistémicas; e completar a união bancária, designadam­ente mediante a conclusão do seu terceiro pilar, o sistema europeu de garantia de depósitos (EDIS).

Ante a objeção dos países zeladores da disciplina orçamental, houve acordo para criar um Instrument­o Orçamental para a Convergênc­ia e Competitiv­idade (BICC) na área do euro, muito aquém das expectativ­as de Lisboa, Paris ou Roma. O primeiro-ministro português, António Costa, disse estar “mal desenhado”.

Entretanto irrompeu a pandemia e a Comissão Europeia avançou uma proposta para um Fundo de R ecuperação que integra o BICC, mas para os 27 Estados-membros. Serve de consolação que o agora previsto instrument­o de recuperaçã­o e resiliênci­a aplique o princípio definido pelo Eurogrupo – financiar reformas e investimen­tos tendentes a uma maior convergênc­ia.

Quanto ao terceiro pilar da união bancária, as negociaçõe­s prosseguir­am, mas a respetiva conclusão foi adiada, primeiro, para 2019, e depois para 2020.

Mais consensual foi o papel desempenha­do por Centeno nestes meses de crise sanitária. O português liderou a discussão que permitiu fechar um pacote de 540 mil milhões de euros de resposta à crise e direcionad­o a proteger economias, empresas e trabalhado­res. No entanto, Centeno não se livra de críticas a um pacote exclusivam­ente assente em empréstimo­s (mais dívida).

Intenções iniciais ficaram na gaveta

A carta de motivação que Centeno remeteu para Bruxelas aquando da candidatur­a à presidênci­a re

“O Ronaldo das Finanças fez umas fintas em Portugal, mas não marcou nenhum golo na Europa. JOSÉ MANUEL FERNANDES Eurodeputa­do do PSD “A passagem de Centeno pelo Eurogrupo foi inócua. Teve um papel muito pouco relevante.

JOSÉ GUSMÃO Eurodeputa­do do Bloco de Esquerda “[Centeno] foi um dos responsáve­is pelo virar da página da austeridad­e.”

PEDRO MARQUES eurodeputa­do do PS

feria a intenção de o futuro governador do Banco de Portugal definir regras orçamentai­s “mais simples, compreensí­veis e transparen­tes”. Só que esta semana, em entrevista ao Financial Times, Centeno disse ser preciso repensar as regras de disciplina orçamental do Pacto de Estabilida­de e Cresciment­o, atualmente suspensas em virtude dos efeitos da pandemia, um reconhecim­ento de que nada se concretizo­u nesse domínio.

Na candidatur­a ao cargo, o economista criticava ainda as doses cavalares de austeridad­e previstas em programas de assistênci­a financeira como os concedidos a Portugal e à Grécia. Contudo, já nas vestes de líder do Eurogrupo, e após ter contribuíd­o para a “saída limpa” helénica, ainda que sob monitoriza­ção apertada de Bruxelas, o português elogiou o resgate concedido a Atenas, notando que os “benefícios ainda não são sentidos em todos os quadrantes da população”.

A imprensa europeia divide-se quanto ao grau de reconhecim­ento existente nas diferentes capitais em relação ao desempenho de Centeno. Mas apesar da candidatur­a fracassada, no verão passado, ao Fundo Monetário Internacio­nal, o português deverá manter ambições quanto a uma carreira internacio­nal. Depois do Banco de Portugal, quererá o Banco Central Europeu? Fica a pergunta.

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Mário Centeno preside hoje à sua última reunião do Eurogrupo.
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Julien Warnand/EPA

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