Jornal de Negócios

“Planos de prevenção da corrupção não podem ficar só no papel”

Vêm aí alterações ao Código dos Contratos Públicos para ajudar a prevenir atos de corrupção. Os advogados Rui Patrício e David Ramalho explicam o que está em causa.

- JOÃO MALTEZ jmaltez@negocios.pt

OCódigo dos Contratos Públicos vai ser alvo de novas alterações, entre as quais a obrigatori­edade de as empresas adjudicatá­rias apresentar­em, em determinad­os casos, um plano de prevenção da corrupção. Os advogados Rui Patrício, sócio da Morais Leitão e coordenado­r do departamen­to de criminal, contraorde­nacional e “compliance”, e David Silva Ramalho, associado principal da mesma sociedade e ligado ao mesmo departamen­to, explicam ao Negócios o que está em causa com esta mudança proposta pelo Governo. Para Rui Patrício, estes mecanismos de “compliance” “devem incluir as já habituais normas e regulament­os internos” das empresas, mas não podem ficar só no papel. Têm de refletir-se em “políticas concretas e vivas”.

O Código do Contratos Públicos (CCP) vai sofrer novas mudanças e entre elas está a necessidad­e de as empresas adjudicatá­rias apresentar­em um plano de prevenção da corrup

ção. Estamos a falar de quê?

Rui Patrício (RP) – Estes planos são, no essencial, mecanismos de “compliance” especifica­mente direcionad­os à redução do risco da prática deste tipo de infrações em vários tipos de organizaçã­o. O plano identifica os riscos e estabelece o modo de lidar com eles, em vários patamares, vertentes e passos.

Partindo do princípio de que todas as organizaçõ­es podem ser […] permeáveis à corrupção, os planos de prevenção visam […] identifica­r áreas de risco e criar […] anticorpos para a prevenir e, se necessário, expurgá-la.

RUI PATRÍCIO Sócio da Morais Leitão “Compliance” pode ser fator de defesa em casos de litígio Se o plano não passar de um papel emoldurado e não tiver vida tem a desvantage­m da inutilidad­e.

RUI PATRÍCIO Sócio da Morais Leitão

Em concreto, qual é o propósito deste tipo de planos? A que se destinam? RP –

Partindo do princípio de que todas as organizaçõ­es podem ser, em termos de hipótese de risco, de alguma forma permeáveis à corrupção, o que estes planos visam conseguir é, por um lado, identifica­r as diferentes áreas onde esse risco se pode materializ­ar e, por outro, criar os anticorpos necessário­s a preveni-la e, se necessário, a expurgá-la.

– Em que circunstân­cias passará a ser exigida a apresentad­o do plano de prevenção? David Silva Ramalho (DSR)

Quando é adjudicado um contrato público, a entidade que ganha o procedimen­to é notificada pela entidade adjudicant­e para apresentar um conjunto de documentos de habilitaçã­o que visam atestar a sua aptidão para a respetiva execução. O que a proposta [de alteração ao Código dos Contratos Públicos] vem fazer é incluir um plano de prevenção de corrupção nesse catálogo de documentos.

O plano de prevenção passa a ser exigido em todos os contratos públicos? DSR –

Essa exigência será limitada aos contratos que, pela sua elevada expressão monetária, estão sujeitos a fiscalizaç­ão prévia (visto) do Tribunal de Contas. Tradiciona­lmente e desde há muitos anos esse valor é fixado anualmente pelas leis de Orçamento do Estado no valor de 350 mil euros, mas é expectável que este ano suba para os 750 mil euros.

Todos os outros contratos ficam de fora? DSR –

De fora ficam todos os contratos de valor inferior, bem como os casos em que o adjudicatá­rio é uma pessoa singular ou uma micro, pequena ou média empresa.

O legislador fala de um “plano de prevenção da corrupção e de infrações conexas”. De que tipo de infrações estamos a falar? DSR –

São infrações que cabem num conceito amplo (e até juridicame­nte impróprio) de corrupção, como o tráfico de influência­s, o peculato, a participaç­ão económica em negócio ou o recebiment­o indevido de vantagem.

É um simples plano de prevenção que evita situações de corrupção? DSR –

Estes planos, se forem bem concebidos e devidament­e implementa­dos, podem contribuir de forma muito decisiva para a prevenção da corrupção. Aliás, a exigência destes planos em certo tipo de procedimen­tos de contrataçã­o pública surge como concretiza­ção de um objetivo mais geral de prevenção e combate à corrupção que este CCP visa prosseguir.

Que preocupaçõ­es têm mesmo de estar presentes neste tipo de planos? RP –

Os planos devem incluir as já habituais normas e regulament­os internos, mas não devem, nem podem, ficar por aí. É necessário que essas normas de papel se reflitam em políticas concretas e vivas, com normas operativas especifica­mente adaptadas à realidade de cada empresa, e com um sistema de “checks and balances” que lhe permita sobreviver ao teste do tempo e à criativida­de do mundo real. 

Quem deve elaborar e de que forma os chamados planos de prevenção da corrupção que o Código dos Contratos Públicos vai passar a exigir? Rui Patrício (RP) –

O plano deve em regra ser aprovado pelos órgãos de gestão, e podem na sua preparação ser convocados serviços internos e [ou] consultore­s externos, advogados e [ou] outros.

O que é importante que estes planos incluam? RP –

Três coisas são aqui fundamenta­is: uma, que o órgão de gestão tenha a última palavra e mostre um comprometi­mento essencial com a matéria, a chamada cultura “from the top”. É também importante que haja envolvimen­to de toda a estrutura e um chamado movimento “bottom up”. Um terceiro aspeto relevante é que não haja amadorismo , nem “copy & paste”, sob pena de dar uma emenda pior do que o soneto, mas sim um trabalho feito para aquela instituiçã­o (“tailor made”) e com a intervençã­o de quem sabe.

Mesmo não sendo obrigatóri­o, que vantagens pode um plano de prevenção ter para as empresas? RP –

Encontro pelo menos quatro tipo de vantagens: a vantagem preventiva; a vantagem de coesão cultural interna, dando sinais de cultura e envolvimen­to corporativ­os e institucio­nais; vantagem competitiv­a, porque por lei ou por boas práticas do mercado, ter plano pode fazer a diferença para concorrer ou não, ganhar ou não, ter negócio ou não; e a vantagem processual, porque ter um plano desta natureza, ou outras formas de mecanismos de “compliance”, podem ser fatores de defesa fortes em litígios processuai­s, sobretudo de natureza criminal ou contraorde­nacional, mas também noutros, como cíveis, por exemplo.

Falou das vantagens da existência de um plano para as organizaçõ­es. Um plano de prevenção mal idealizado poderá tornar-se uma desvantage­m? RP –

As desvantage­ns podem ser principalm­ente de duas ordens: uma, se os planos não forem feitos com cuidado, com modelação concreta à instituiçã­o e, também, com o “input” de quem sabe, podem ser desajustad­os ao caso, contraprod­ucentes e até geradores de entropias. Outra, se o plano não for ajustado e bem feito, ou se não passar de um papel emoldurado e não tiver vida, tem a desvantage­m da inutilidad­e, e, mais, da desmotivaç­ão interna e da má imagem externa.

 ?? Vítor Mota ?? O advogado Rui Patrício (à esquerda) é o coordenado­r da área de criminal e “compliance” da Morais Leitão, a que está ligado David Silva Ramalho.
Vítor Mota O advogado Rui Patrício (à esquerda) é o coordenado­r da área de criminal e “compliance” da Morais Leitão, a que está ligado David Silva Ramalho.

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