Jornal de Negócios

Jardins de Amarante

O Largo do Paço tem novos menus e velhos hábitos. O chef Tiago Bonito inova, mas mantém-se fiel às memórias.

- AUGUSTO FREITAS DE SOUSA

Ocolorido e inesperado “jardim do chefe” manteve-se nos novos menus apresentad­os este mês por Tiago Bonito no “estrelado” restaurant­e Largo do Paço, na Casa da Calçada em Amarante. Decidiu homenagear o jardim da mãe onde “ninguém pode mexer” e apresentou uma espécie de canteiro, um vaso, com pequenas hortícolas, equilibran­do o sabor com doçura e acidez.

O prato faz parte do menu Caminhos – “inspirado nas raízes e clássicos do chef”– que juntamente com Identidade – “homenagem, criativida­de e evolução da cozinha” – compõem os menus de degustação da casa amarantina a partir deste mês. Entre outros, aí se incluem a Pescada de Anzol ( berbigão, cogumelos selvagens, salsa), o Porco Ibérico (amêijoas, batata sauté, vinho branco), o Cherne (percebes, cevadinha de chouriço, molho Iodado) ou o Chocolate (café, fava tonka, hortelã pimenta).

Tiago sucedeu a Ricardo Costa e Vítor Matos e manteve a estrela Michelin em 2019 com a sua cozinha que passa pela aposta nas receitas portuguesa­s com os seus toques de modernidad­e. Mesmo confessand­o ser “um bocadinho nacionalis­ta”, não esquece as experiênci­as com Alain Ducasse em Paris, Aimé Barroyer em Lisboa, Alex Atala em São Paulo ou Dieter Koschina no Algarve. Em resumo, o amarantino adotado faz comida que lhe agrada e pela qual tem paixão.

“Quem vem quer uma experiênci­a, quer provocar memórias”, atira Tiago Bonito que, por isso, não esquece os costumes locais. Considera os cozinheiro­s “mensageiro­s da cultura portuguesa”, razão pela qual vai sempre aos restaurant­es locais e fala com as pessoas da região antes de decidir as cartas. Lembra velhas receitas que “importa não perder e recuperar” como o Verde, há muitos anos tradiciona­l em Amarante, com miúdos de cabrito, sangue previament­e cozido, pão recesso, canela e hortelã. Hábitos que quer dominar como, por exemplo, evitar “as folhas de coentros” à mostra no prato raramente aceites pelos nortenhos. Um conceito que também tem que ver com os clientes: “Aqui não vivemos só do turismo.” Além dos fregueses também acredita que é importante “nunca deixar de ensinar quem trabalha na cozinha”.

Tiago passou os 30 anos de idade e continua a definir-se como workaholic, mas já o sabia desde que a sua mãe lhe disse que a vida de um cozinheiro é perder família, amigos, fins de semana, feriados e férias. Não foi fácil contrariar a família que apostava no título de doutor ou engenheiro para o seu filho único, mas com apenas 14 anos inscreveu-se às escondidas na escola de hotelaria. Nunca mais descansou.

Neste 2020 atípico aproveitou para plantar a horta do chef junto ao restaurant­e onde passam a usar os resíduos orgânicos que sobram da cozinha. Para o ano estão previstas algumas obras, mas que vão manter todas as caracterís­ticas do palácio do século XVI, entretanto remodelado no início do século passado.

A Casa da Calçada foi o poiso do general Francisco da Silveira e do marechal General Wellesley que lutavam contra as invasões francesas e, depois de um grande incêndio, foi recuperado na década de 1820 pela família daquele que viria a ser o primeiro presidente da Câmara de Amarante. António do Lago Cerqueira estudou Filosofia em

Coimbra, pertenceu ao Partido Democrátic­o de Afonso Costa, foi deputado e ministro dos Negócios Estrangeir­os e do Trabalho em 1925 e, no exílio em França, estudou viticultur­a e vinificaçã­o no Instituto Nacional de Agronomia. De regresso à sua terra natal, escreveu o livro “Os vinhos de Portugal” em 1929 e fundou as Caves da Calçada onde os vinhos e aguardente­s chegaram a ser exportados para o Brasil e ex-colónias. Foi palco de festas, tertúlias e acontecime­ntos que fizeram história. Tiago Bonito também promete muitas memórias.

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Pedro Sampayo Ribeiro

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