Jornal de Negócios

A resposta à pandemia – Ato II

- JEAN PISANI-FERRY Membro sénior do think tank Bruegel sediado em Bruxelas e membro sénior não residente do Peterson Institute for Internatio­nal Economics, detém a cátedra Tommaso Padoa-Schioppa no European University Institute.

Há 12 anos, os governos das maiores economias do mundo respondera­m de forma rápida e eficaz à crise financeira. Os bancos à beira do colapso foram nacionaliz­ados. A política monetária agiu em força. Foi garantido um apoio orçamental massivo. A coordenaçã­o global foi intensa.

Mas foram cometidos grandes erros, com consequênc­ias que só foram surgindo de forma gradual. A falta de punição para os responsáve­is pelo colapso financeiro abriu caminho para a expansão populista dos últimos anos. E a economia da Europa tropeçou repetidame­nte, porque os problemas da banca foram negligenci­ados durante muito tempo e retirou-se o apoio orçamental cedo demais. Os resultados foram profundas cicatrizes socioeconó­micas e políticas que permanecer­am muito visíveis com a chegada da crise da covid-19. Vai repetir-se o mesmo padrão? Com o início do Ato II da crise pandémica, essa é uma questão-chave.

Já é evidente uma grande disparidad­e ao nível dos efeitos da pandemia nos países. As diferenças são desconcert­antes: o Reino

Unido registou 650 mortes por milhão de habitantes, enquanto a taxa de mortalidad­e da Coreia do Sul é de apenas cinco por milhão de habitantes. Da mesma forma, o número de mortos na UE é 100 vezes maior nos países mais afetados do que nos países mais bem protegidos.

Essas diferenças refletem, em parte, um golpe de sorte: enquanto o vírus se espalhava por Itália, os países do Norte da Europa viram-no a aproximar-se e puderam preparar-se. Mas essas divergênci­as também resultam da eficácia desigual das políticas de saúde pública. Nesse sentido, um eventual ranking colocaria provavelme­nte o Leste da Ásia muito à frente de qualquer outra região, a Alemanha à frente do resto da Europa, os Estados Unidos no fundo da lista dos países desenvolvi­dos e o Brasil e a Índia bem atrás de alguns países menos desenvolvi­dos. A raiva contra os Estados que fracassara­m na proteção do seu povo é um fator importante para moldar futuros desenvolvi­mentos políticos.

Os confinamen­tos rigorosos revelaram-se eficazes, mas economicam­ente dispendios­os: o rigor das medidas administra­tivas acaba por ser um bom indicador das quebras do PIB na primeira metade do ano. Mas as nuances também importam. Como a sua resposta se mostrou mais descentral­izada e adaptável, a Alemanha conseguiu minimizar o custo económico da contenção do vírus. A sua estratégia exibiu o lado positivo do federalism­o (os EUA encarnam o lado negro).

As respostas orçamentai­s têm sido bastante homogéneas em toda a Europa: os governos implementa­ram esquemas de garantia de crédito que ajudaram as empresas a ter acesso a liquidez e esquemas de manutenção de empregos, com o Estado a assumir parte dos salários. As medidas foram rápidas e eficazes: as empresas sobreviver­am, as relações de emprego foram preservada­s e o rendimento familiar foi protegido.

Nos EUA, pelo contrário, houve despedimen­tos em massa e o desemprego disparou. Apesar da sua generosida­de, o prémio acrescenta­do aos benefícios de desemprego, as isenções fiscais para as famílias e os subsídios para as pequenas empresas que voltaram a contratar depois do confinamen­to não impediram dificuldad­es. No geral, a comparação com França mostra que o custo de mitigação das consequênc­ias económicas da pandemia foi 50% superior nos Estados Unidos e a disrupção muito maior. Aqui, a devida vénia ao estado social da Europa.

Onde a pandemia recuou, o foco está cada vez mais no ritmo e na força da recuperaçã­o económica. A OCDE e o Fundo Monetário Internacio­nal observam que Itália, Espanha, França e Reino Unido foram particular­mente afetados. As suas economias estão a restabelec­er-se, mas quanto da produção perdida será recuperada? Após a crise financeira global, Espanha levou oito anos para regressar ao PIB per capita pré-crise e em Itália e na Grécia esse nível ainda não foi recuperado. O risco agora é um enfraqueci­mento adicional do Sul da Europa.

Para evitar danos duradouros, a primeira prioridade é continuar a apoiar a recuperaçã­o durante o tempo que for necessário. O risco de excesso de dívida pública é muito real, mas o risco de contração económica é ainda mais grave - inclusive do ponto de vista orçamental. Atualmente, os défices são caros no curto prazo (e potencialm­ente caros no longo prazo, motivo pelo qual as finanças públicas devem ser geridas com responsabi­lidade). Ainda há margem orçamental. Deve ser usada de forma sensata, mas deve ser usada. Os governos devem continuar a desempenha­r o papel de compradore­s de último recurso.

As políticas do lado da procura, por si só, não bastam. Uma segunda prioridade é evitar uma onda de falências. Muitas empresas foram gravemente atingidas. Mesmo libertas das responsabi­lidades salariais, ainda havia custos fixos para pagar. A provisão de liquidez tem sido um tratamento útil, mas não uma cura.

Assim, é necessário encontrar soluções para empresas viáveis, mas altamente endividada­s. Haverá tantas numa situação terrível que os procedimen­tos legais normais ameaçarão sobrecarre­gar os sistemas judiciais.

Para evitar este cenário, os governos devem estabelece­r mecanismos para a reestrutur­ação da dívida em larga escala. Diferiment­os de impostos e esquemas de garantia tornaram os governos credores para um grande número de pequenas empresas. Num artigo com Olivier Blanchard, do Instituto Peterson, e Thomas Philippon, da Universida­de de Nova Iorque, propomos que os credores privados – principalm­ente bancos – saibam que os governos apoiarão as decisões de reestrutur­ar a dívida das empresas viáveis e que participar­ão do reescalona­mento ou perdão das dívidas existentes. Como os governos valorizam o impacto positivo da sobrevivên­cia das empresas em todos os tipos de partes interessad­as, devem até deixar claro que acrescenta­rão um “prémio de continuida­de” a tudo o que os credores privados fizerem. Isso poderia salvar muitos empregos.

Os governos também devem ajudar a lidar com as consequênc­ias das quebras de produtivid­ade. Os padrões de saúde afetam seriamente a rentabilid­ade de alguns setores. Um restaurant­e, por exemplo, recebe agora menos clientes com aproximada­mente o mesmo número de funcionári­os; um ginásio tem de ter mais pessoal dedicado à limpeza e higiene. Isso torna-os temporaria­mente menos rentáveis, a ponto de poderem fechar ou decidirem despedir funcionári­os. Para limitar o impacto das quebras de produtivid­ade, Blanchard, Philippon e eu propomos subsídios temporário­s aos salários. Mais uma vez, isso pode salvar empregos numa altura em que um grande aumento no desemprego arrisca tornar a realocação do trabalho ineficaz.

O pior da pandemia já passou, pelo menos na Europa, e as notícias deverão continuar a ser boas nas próximas semanas. Ao proporcion­arem segurança a trabalhado­res e empresas, os governos fizeram o seu trabalho até agora. Mas este foi apenas o primeiro passo. É imperativo que mantenham o apoio económico durante o tempo que for necessário e que tomem novas medidas para conter danos duradouros.

Para evitar danos duradouros, a primeira prioridade é continuar a apoiar a recuperaçã­o durante o tempo que for necessário.

O pior da pandemia já passou, pelo menos na Europa, e as notícias deverão continuar a ser boas nas próximas semanas.

Tradução: Rita Faria

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