A resposta à pandemia – Ato II
Há 12 anos, os governos das maiores economias do mundo responderam de forma rápida e eficaz à crise financeira. Os bancos à beira do colapso foram nacionalizados. A política monetária agiu em força. Foi garantido um apoio orçamental massivo. A coordenação global foi intensa.
Mas foram cometidos grandes erros, com consequências que só foram surgindo de forma gradual. A falta de punição para os responsáveis pelo colapso financeiro abriu caminho para a expansão populista dos últimos anos. E a economia da Europa tropeçou repetidamente, porque os problemas da banca foram negligenciados durante muito tempo e retirou-se o apoio orçamental cedo demais. Os resultados foram profundas cicatrizes socioeconómicas e políticas que permaneceram muito visíveis com a chegada da crise da covid-19. Vai repetir-se o mesmo padrão? Com o início do Ato II da crise pandémica, essa é uma questão-chave.
Já é evidente uma grande disparidade ao nível dos efeitos da pandemia nos países. As diferenças são desconcertantes: o Reino
Unido registou 650 mortes por milhão de habitantes, enquanto a taxa de mortalidade da Coreia do Sul é de apenas cinco por milhão de habitantes. Da mesma forma, o número de mortos na UE é 100 vezes maior nos países mais afetados do que nos países mais bem protegidos.
Essas diferenças refletem, em parte, um golpe de sorte: enquanto o vírus se espalhava por Itália, os países do Norte da Europa viram-no a aproximar-se e puderam preparar-se. Mas essas divergências também resultam da eficácia desigual das políticas de saúde pública. Nesse sentido, um eventual ranking colocaria provavelmente o Leste da Ásia muito à frente de qualquer outra região, a Alemanha à frente do resto da Europa, os Estados Unidos no fundo da lista dos países desenvolvidos e o Brasil e a Índia bem atrás de alguns países menos desenvolvidos. A raiva contra os Estados que fracassaram na proteção do seu povo é um fator importante para moldar futuros desenvolvimentos políticos.
Os confinamentos rigorosos revelaram-se eficazes, mas economicamente dispendiosos: o rigor das medidas administrativas acaba por ser um bom indicador das quebras do PIB na primeira metade do ano. Mas as nuances também importam. Como a sua resposta se mostrou mais descentralizada e adaptável, a Alemanha conseguiu minimizar o custo económico da contenção do vírus. A sua estratégia exibiu o lado positivo do federalismo (os EUA encarnam o lado negro).
As respostas orçamentais têm sido bastante homogéneas em toda a Europa: os governos implementaram esquemas de garantia de crédito que ajudaram as empresas a ter acesso a liquidez e esquemas de manutenção de empregos, com o Estado a assumir parte dos salários. As medidas foram rápidas e eficazes: as empresas sobreviveram, as relações de emprego foram preservadas e o rendimento familiar foi protegido.
Nos EUA, pelo contrário, houve despedimentos em massa e o desemprego disparou. Apesar da sua generosidade, o prémio acrescentado aos benefícios de desemprego, as isenções fiscais para as famílias e os subsídios para as pequenas empresas que voltaram a contratar depois do confinamento não impediram dificuldades. No geral, a comparação com França mostra que o custo de mitigação das consequências económicas da pandemia foi 50% superior nos Estados Unidos e a disrupção muito maior. Aqui, a devida vénia ao estado social da Europa.
Onde a pandemia recuou, o foco está cada vez mais no ritmo e na força da recuperação económica. A OCDE e o Fundo Monetário Internacional observam que Itália, Espanha, França e Reino Unido foram particularmente afetados. As suas economias estão a restabelecer-se, mas quanto da produção perdida será recuperada? Após a crise financeira global, Espanha levou oito anos para regressar ao PIB per capita pré-crise e em Itália e na Grécia esse nível ainda não foi recuperado. O risco agora é um enfraquecimento adicional do Sul da Europa.
Para evitar danos duradouros, a primeira prioridade é continuar a apoiar a recuperação durante o tempo que for necessário. O risco de excesso de dívida pública é muito real, mas o risco de contração económica é ainda mais grave - inclusive do ponto de vista orçamental. Atualmente, os défices são caros no curto prazo (e potencialmente caros no longo prazo, motivo pelo qual as finanças públicas devem ser geridas com responsabilidade). Ainda há margem orçamental. Deve ser usada de forma sensata, mas deve ser usada. Os governos devem continuar a desempenhar o papel de compradores de último recurso.
As políticas do lado da procura, por si só, não bastam. Uma segunda prioridade é evitar uma onda de falências. Muitas empresas foram gravemente atingidas. Mesmo libertas das responsabilidades salariais, ainda havia custos fixos para pagar. A provisão de liquidez tem sido um tratamento útil, mas não uma cura.
Assim, é necessário encontrar soluções para empresas viáveis, mas altamente endividadas. Haverá tantas numa situação terrível que os procedimentos legais normais ameaçarão sobrecarregar os sistemas judiciais.
Para evitar este cenário, os governos devem estabelecer mecanismos para a reestruturação da dívida em larga escala. Diferimentos de impostos e esquemas de garantia tornaram os governos credores para um grande número de pequenas empresas. Num artigo com Olivier Blanchard, do Instituto Peterson, e Thomas Philippon, da Universidade de Nova Iorque, propomos que os credores privados – principalmente bancos – saibam que os governos apoiarão as decisões de reestruturar a dívida das empresas viáveis e que participarão do reescalonamento ou perdão das dívidas existentes. Como os governos valorizam o impacto positivo da sobrevivência das empresas em todos os tipos de partes interessadas, devem até deixar claro que acrescentarão um “prémio de continuidade” a tudo o que os credores privados fizerem. Isso poderia salvar muitos empregos.
Os governos também devem ajudar a lidar com as consequências das quebras de produtividade. Os padrões de saúde afetam seriamente a rentabilidade de alguns setores. Um restaurante, por exemplo, recebe agora menos clientes com aproximadamente o mesmo número de funcionários; um ginásio tem de ter mais pessoal dedicado à limpeza e higiene. Isso torna-os temporariamente menos rentáveis, a ponto de poderem fechar ou decidirem despedir funcionários. Para limitar o impacto das quebras de produtividade, Blanchard, Philippon e eu propomos subsídios temporários aos salários. Mais uma vez, isso pode salvar empregos numa altura em que um grande aumento no desemprego arrisca tornar a realocação do trabalho ineficaz.
O pior da pandemia já passou, pelo menos na Europa, e as notícias deverão continuar a ser boas nas próximas semanas. Ao proporcionarem segurança a trabalhadores e empresas, os governos fizeram o seu trabalho até agora. Mas este foi apenas o primeiro passo. É imperativo que mantenham o apoio económico durante o tempo que for necessário e que tomem novas medidas para conter danos duradouros.
Para evitar danos duradouros, a primeira prioridade é continuar a apoiar a recuperação durante o tempo que for necessário.
O pior da pandemia já passou, pelo menos na Europa, e as notícias deverão continuar a ser boas nas próximas semanas.
Tradução: Rita Faria