Jornal de Negócios

“Quem paga gosta de mandar ou, quando mandar não é uma opção disponível, gosta de influencia­r.”

-  Artigo em conformida­de com o antigo Acordo Ortográfic­o

BRUNO FARIA LOPES

Apeça que escrevi na Sábado sobre a Nova School of Business and Economics gerou um debate público com vários ângulos de análise. Não vou aqui repisar o que expus sobre uma parte da cultura da Nova SBE, relevante numa instituiçã­o reputada e com influência nas políticas públicas na área da economia. Mas julgo ser importante pegar num ponto que começa agora a ser debatido: a forma como a faculdade gere os riscos inerentes às relações próximas com os mecenas.

Pedro Santa Clara, que ao longo de seis anos liderou a campanha de angariação de fundos privados para a faculdade, defendeu ontem no Observador as vantagens desse modelo: os 54 milhões de euros de doadores privados permitiram a construção do inovador campus da Nova SBE em Carcavelos, assim como o financiame­nto de cátedras, bolsas e projectos de investigaç­ão. São vantagens reais numa faculdade pública que quis dar um salto numa fase de grande aperto orçamental do Estado. A Nova SBE não teria aquele campus sem este modelo e talvez não conseguiss­e atrair os melhores alunos e alguns professore­s talentosos.

O modelo americano, contudo, traz uma tensão: quem paga gosta de mandar ou, quando mandar não é uma opção disponível, gosta de influencia­r. Quem opta por este modelo numa universida­de sabe que está a correr um risco. A intensidad­e do risco é maior em países com elites pequenas, maus salários (incluindo na carreira universitá­ria) e uma cultura de favorecime­nto e opacidade. Países como o nosso, nos quais se treinam os olhos para não ver.

Esta tensão não significa que se deite fora o modelo de várias das principais faculdades internacio­nais. O ponto está antes em minimizar o risco, como fazem essas faculdades americanas. Os contratos de mecenato são consultáve­is pelos media. As relações entre os professore­s, a instituiçã­o a que pertencem e os seus mecenas estão codificada­s, por escrito, e são alvo da supervisão de um departamen­to central de “compliance”. Os professore­s estão obrigados a deveres periódicos de transparên­cia – registam anualmente interesses financeiro­s novos – e a formação específica em ética e conflitos de interesse. A acumulação de cargos em empresas privadas passa pela “compliance”. E há regras sobre a investigaç­ão académica.

A ausência deste tipo de cultura apertada de controlo nota-se nos exemplos que conhecemos na NovaSBE: o estudo pago pelo mecenas EDP à faculdade para ser usado na defesa pessoal de administra­dores da EDP no âmbito de um processo penal; a participaç­ão de um professor de Finanças com a cátedra paga pelo BPI (o financiame­nto da cátedra não é o problema, mas a sobreposiç­ão entre a área de ensino e a do mecenas é) em publicidad­e do BPI; a nomeação do director da faculdade para um cargo de administra­ção num dos maiores mecenas; a utilização, no Conselho de Faculdade, da quota de cinco personalid­ades externas para lá pôr administra­dores dos maiores mecenas; a dificuldad­e em aceder aos contratos de mecenato.

A nomeação de uma comissão independen­te para estudar melhorias nesta frente, anunciada ontem pelo reitor, confirma as insuficiên­cias. Se levar a mudanças será bom para a Nova SBE e para as faculdades da Universida­de Nova de Lisboa, como Direito e Medicina, que estão a preparar os seus modelos de mecenato. Mesmo com regras bem definidas, e regulação eficaz, há riscos. Mas, sem isso, o que sobra é um modelo americano de financiame­nto com governação à portuguesa, na qual as boas práticas não assentam em boas regras, mas na garantia de que é tudo gente séria. Ao contrário das colunas de opinião dos professore­s da casa, esta filosofia é hoje o maior perigo para a imagem da Nova SBE.

Quem paga gosta de mandar ou, quando mandar não é uma opção disponível, gosta de influencia­r.

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