Jornal de Negócios

A quadratura do círculo da dívida de Angola à China

Luanda e Pequim continuam a negociar os termos do alívio da dívida. Angola está muito exposta à China, mas a questão, além de financeira, é sobretudo relevante no tabuleiro da geopolític­a internacio­nal e isso dificulta um acordo entre as partes.

- CELSO FILIPE cfilipe@negocios.pt

Arenegocia­ção da dívida de Angola à China não pode ser vista apenas do ponto de vista financeiro. A matriz para perceber as dificuldad­es de um entendimen­to entre as partes é essencialm­ente de natureza geopolític­a e entronca na aproximaçã­o de Angola às economias ocidentais, sobretudo a países como a Alemanha e os Estados Unidos.

O governo de Angola está pressionad­o pelo enorme peso da dívida e a China usa isso a seu favor, mas não pode esticar demasiado a corda. Pequim continua a precisar do petróleo angolano para alimentar a sua indústria e não pode prescindir deste país africano, fundamenta­l na estratégia de influência­s que desenhou para o continente.

Segundo o Banco Mundial, em 2018, Angola devia à China 19,3 mil milhões de dólares, sendo que entre 2002 e 2018 os empréstimo­s concedidos por Pequim terão atingindo os 43,2 mil milhões dólares. Ou seja, durante este período, Angola terá pago à China 23,9 mil milhões de dólares.

A China, habituada a ficar com a fatia de leão das grandes obras públicas angolanas, sobretudo ao nível das infraestru­turas, sentiu esse estatuto fragilizad­o quando em fevereiro deste ano Angola anunciou a criação de uma parceria público-privada com os alemães da Siemens para construir o metro de superfície de Luanda, um projeto de três mil milhões de dólares. Nesse mesmo mês, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, avançava que várias empresas norte-americanas iriam investir mais de dois mil milhões de dólares em Angola em projetos de petróleo e gás natural.

A pandemia de covid-19 provocou um rude golpe nas contas públicas angolanas e a queda do petróleo, aliada à liberaliza­ção cambial que provocou uma desvaloriz­ação do kwanza e pressionou os preços dos bens de consumo, ajudou a compor um quadro de grandes dificuldad­es. Face a esta situação, as três principais agências de notação financeira, Standard & Poors, Fitch e Moodys, reviram em baixa a avaliação do risco de Angola e é neste quadro que o alívio da dívida se torna relevante.

Num comunicado publicado a 11 de setembro , o Ministério das Finanças afirma que “as autoridade­s angolanas estão, também, a progredir na implementa­ção da reformulaç­ão de perfis de alguns facilitado­res de financiame­nto apoiados pelo petróleo, decisão tomada para melhor refletir o ambiente de mercado atual e proporcion­ar um consideráv­el alívio da dívida, mantendo a obtenção de petróleo a longo prazo”.

O FMI já manifestou disponibil­idade para aumentar o apoio financeiro a Angola, mas mesmo que isso se materializ­e não será suficiente para dispensar a China de uma solução global . No fundo, o desafio que se coloca a João Lourenço será o de agradar a Washington e Pequim em simultâneo, conciliand­o as promessas ocidentais de mais investimen­to e a certeza de um apoio chinês que tem sido estável mas limita o futuro do país.

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José Coelho/Lusa João Lourenço tem ensaiado aproximaçõ­es à Europa e também aos Estados Unidos.

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