As implicações da aplicação
Aobrigatoriedade da instalação da aplicação StayAway Covid, que o Governo quer impor pela via legislativa, lançou a polémica. Em boa verdade, existem argumentos plausíveis para quem defende esta opção e também para quem está contra ela. Mas acima de todos os prós e contras estão dois valores primordiais que são postos em causa com esta iniciativa do Governo, o da liberdade de consciência e do direito à escolha. Ao querer forçar o uso da aplicação, por mais garantia de confidencialidade que exista, abre-se a porta à violação desse postulado.
É neste sentido que a obrigatoriedade da StayAway Covid é diferente da aplicação do mesmo princípio para a utilização das máscaras. É certo que os utilizadores de telemóveis, quando instalam outras aplicações, estão a ceder os seus dados e a fazê-lo de forma consciente. É igualmente entendível que a aplicação da StayAway Covid possa ser vista como um instrumento de cidadania responsável e uma ferramenta eficaz para travar a propagação da covid-19, mas nem por isso deixa de ser potencialmente intrusiva, devendo como tal enquadrar-se no primado do livre-arbítrio.
A obrigatoriedade da StayAway Covid possui ainda uma matriz discriminatória, na medida em que a lei só se aplicará a quem tenha um telemóvel capaz de a suportar. Ou seja, quem não possui um aparelho fica fora desta regra. E isso acontecerá sobretudo junto dos idosos, precisamente a população mais vulnerável ao vírus.
Depois há ainda a dimensão caricata da coisa, que tem a ver com a eficácia da fiscalização da lei. Imagine um polícia a entrar numa empresa para perguntar aos trabalhadores se têm telemóvel ou uma brigada de trânsito a mandar parar condutores com viaturas de serviço, exigindo-lhes documentos e a verificação do telemóvel. Entraríamos no domínio de um absurdo capaz de rivalizar com as peças teatrais de Ionesco.
O primeiro-ministro, António Costa, justificou as novas medidas anunciadas ontem com a necessidade de “haver um abanão” e transmitir a mensagem de que é preciso “alterar comportamentos” para travar a progressão assustadora da pandemia. O diagnóstico está certo, mas a terapia não é a adequada. Aliás, a questão controversa da StayAway Covid poderá até virar o feitiço contra o feiticeiro. Para já, a polémica está a sobrepor-se à pandemia. E isso, só por si, é mau.