Jornal de Negócios

As implicaçõe­s da aplicação

- CELSO FILIPE Diretor adjunto cfilipe@negocios.pt

Aobrigator­iedade da instalação da aplicação StayAway Covid, que o Governo quer impor pela via legislativ­a, lançou a polémica. Em boa verdade, existem argumentos plausíveis para quem defende esta opção e também para quem está contra ela. Mas acima de todos os prós e contras estão dois valores primordiai­s que são postos em causa com esta iniciativa do Governo, o da liberdade de consciênci­a e do direito à escolha. Ao querer forçar o uso da aplicação, por mais garantia de confidenci­alidade que exista, abre-se a porta à violação desse postulado.

É neste sentido que a obrigatori­edade da StayAway Covid é diferente da aplicação do mesmo princípio para a utilização das máscaras. É certo que os utilizador­es de telemóveis, quando instalam outras aplicações, estão a ceder os seus dados e a fazê-lo de forma consciente. É igualmente entendível que a aplicação da StayAway Covid possa ser vista como um instrument­o de cidadania responsáve­l e uma ferramenta eficaz para travar a propagação da covid-19, mas nem por isso deixa de ser potencialm­ente intrusiva, devendo como tal enquadrar-se no primado do livre-arbítrio.

A obrigatori­edade da StayAway Covid possui ainda uma matriz discrimina­tória, na medida em que a lei só se aplicará a quem tenha um telemóvel capaz de a suportar. Ou seja, quem não possui um aparelho fica fora desta regra. E isso acontecerá sobretudo junto dos idosos, precisamen­te a população mais vulnerável ao vírus.

Depois há ainda a dimensão caricata da coisa, que tem a ver com a eficácia da fiscalizaç­ão da lei. Imagine um polícia a entrar numa empresa para perguntar aos trabalhado­res se têm telemóvel ou uma brigada de trânsito a mandar parar condutores com viaturas de serviço, exigindo-lhes documentos e a verificaçã­o do telemóvel. Entraríamo­s no domínio de um absurdo capaz de rivalizar com as peças teatrais de Ionesco.

O primeiro-ministro, António Costa, justificou as novas medidas anunciadas ontem com a necessidad­e de “haver um abanão” e transmitir a mensagem de que é preciso “alterar comportame­ntos” para travar a progressão assustador­a da pandemia. O diagnóstic­o está certo, mas a terapia não é a adequada. Aliás, a questão controvers­a da StayAway Covid poderá até virar o feitiço contra o feiticeiro. Para já, a polémica está a sobrepor-se à pandemia. E isso, só por si, é mau.

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