Jornal de Negócios

Ex-governante­s alertam para possível retificati­vo em 2021

Debate promovido pelo Fórum para a Competitiv­idade leva Maria Luís Albuquerqu­e, Paulo Núncio e Fernando Rocha Andrade a reconhecer enorme imprevisib­ilidade sobre futuro da economia portuguesa.

- VICENTE LOURENÇO

O debate a três deixou Fernando Rocha Andrade, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em inferiorid­ade numérica perante dois membros do governo de Passos Coelho: a ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerqu­e, e o antigo secretário de Estado também dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio.

Apesar das divergênci­as sobre a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2021, os três concordara­m que o documento poderá precisar de uma versão retificati­va durante o próximo ano. “Não podemos excluir que este seja o último Orçamento para 2021, tal como este ano houve um segundo Orçamento a ser apresentad­o”, refere Rocha Andrade.

A incerteza provocada pela pandemia faz com que seja difícil estipular medidas quando faltam ainda três meses para o novo ano, reconhece também Paulo Núncio, atacando em seguida as previsões macroeconó­micas do Executivo: “É um exercício difícil e complicado. Temos essa experiênci­a”, diz, referindo-se ao período em que exerceu funções durante os negros anos da troika, entre 2011 e 2015.

Para Maria Luís Albuquerqu­e, é evidente que este é “um contexto particular­mente difícil de prever”, indicando, no entanto, que as estimativa­s do Governo de uma queda do PIB de 8,5%, este ano, seguida de um cresciment­o de 5,4%, em 2021, podem ser demasiado otimistas. “Todas as instituiçõ­es internacio­nais hesitam em ser demasiado pessimista­s porque as previsões em si mesmas formam expectativ­as”, observou a antiga governante no Seminário sobre o Orçamento do Estado 2021, promovido pelo Fórum para a Competitiv­idade e que decorreu esta quinta-feira na AESE Business School.

A antiga ministra das Finanças admite estar preocupada com as classes médias que “vão sofrer uma quebra significat­iva de rendimento­s” na sequência da pandemia e critica a proposta de Leão de aumentar o salário mínimo em tempos de crise: “Estamos a criar, sobretudo nas PME, um problema gravíssimo”. De acordo com Maria Luís Albuquerqu­e, a maioria das instituiçõ­es não tem capacidade financeira para cumprir este aumento de salários, o que se pode traduzir em mais despedimen­tos ou num asfixiamen­to da classe média, que vê diminuído os ordenados de forma a acomodar a subida dos salários mais baixos.

Rocha Andrade reconhece a problemáti­ca, mas confessa estar mais preocupado com aqueles que vivem perto do limiar da pobreza. O ex-secretário de Estado diz também que esta é uma boa altura para políticas expansioni­stas, uma vez que a União Europeia suspendeu o Pacto de Estabilida­de e Cresciment­o.

À direita, Paulo Núncio lamenta que não se esteja a levar mais a sério o aumento do défice e da dívida pública, que “em 2021 chegará perto de 140% do PIB”, um valor considerad­o “muito elevado pelo FMI”, e acrescenta que é “evidente que temos aqui uma falsa sensação de segurança porque há aqui as políticas do BCE, porque há o “quantitati­ve easing” (…) Estamos a arranjar um problema gigante para futuros governos e futuras gerações”.

Na perspetiva de Maria Luís Albuquerqu­e, a falta de visão das medidas do atual governo constitui um desincenti­vo às novas gerações e, consequent­emente, “vemos os melhores ir embora”.

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