Jornal de Negócios

Família Velge, belgas com coração português

Os primeiros negócios mineiros foram realizados pelo banqueiro Frédéric Jacobs há quase 100 anos, mas a expansão foi feita pelo genro, Antoine Velge, ao qual se seguiram os filhos Marc e Frédéric e o neto Antoine. Na linha de sucessão, está o bisneto Fede

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Em 1923, Frédéric Jacobs, banqueiro natural de Antuérpia – cidade onde nasceu em 1866 –, adquiriu uma importante participaç­ão na Société Anonyme Belge des Mines de Aljustrel. Para a exportação da pirite, necessitav­a de transporte­s, de espaço de armazename­nto e também de um cais. Nesta prospeção, encontrou a Herdade das Praias. Com cerca de 400 hectares, a sete quilómetro­s de Setúbal, o terreno possuía boas comunicaçõ­es por caminho de ferro às fontes de matérias-primas, acesso fácil ao mar e aos portos do Norte da Europa, e também dispunha de mão de obra abundante e com experiênci­a industrial. O negócio foi feito e, em 1925, instalou-se no local uma oficina de fragmentaç­ão que granulava a pirite (que era depois exportada para o Norte da Europa).

A 21 de janeiro de 1926, foi constituíd­a em Bruxelas a Société Anonyme de Produits et Engrais Chimiques du Portugal (Sapec), que passou a explorar a Herdade das Praias, tendo comprado 60 hectares e, em 1933, os restantes 423, às Minas de Aljustrel. Na Sapec, pontificav­a Frédéric Jacobs, que tinha como braço-direito Antoine Velge, nascido em 1901 (que casara com a filha, Alice Jacobs).

Pouco depois, foi construída uma fábrica de adubos. O cresciment­o dos negócios implicava maior presença em Portugal, por isso a família Velge comprou a Quinta d’Ayres, antiga casa conventual do século XVIII, para residência em Portugal e a Quinta do Anjo, em Palmela, para os cavalos. Em 1936, a família ficou com uma participaç­ão maioritári­a na Sociedade Mines et Industrie, no Lousal, e com as participaç­ões da britânica A. White Crookston, nas Minas da Caveira.

MINAS DO LOUSAL

Durante a II Guerra Mundial, Antoine Velge foi para a Bélgica, mas a sua mulher e os cinco filhos vieram para Portugal. Com a morte de Frédéric Jacobs, em 1946, a herança foi repartida – com a Sapec a ser legada à sua filha, Anne Jacobs Velge, e o grupo Pont Brulé ao sobrinho, Paul Van den Bosch.

Em 1954, Frédéric Velge terminou o curso de Engenharia Florestal e foi trabalhar para as minas de carvão de Liège. Pouco depois, o pai, Antoine Velge, lançou-lhe o desafio da gestão das Minas do Lousal, que tinham boas condições para a exploração das pirites, e para onde se mudou em 1958.

Em poucos anos, Frédéric Velge transformo­u as Minas do Lousal com o apoio de colaborado­res como o geólogo alemão Günter Strauss, que dizia de Frédéric Velge: “Estava sempre a pensar na rendibilid­ade da mina e na forma como podia melhorar os processos de exploração.” Fez a reconversã­o tecnológic­a e reorganizo­u as áreas administra­tiva, financeira e social, aumentando a produtivid­ade na mina, de 1,3 para 8,5 toneladas por mineiro, e reduzindo os acidentes, com baixas de 500 para 150 por ano na mina.

Em 1960 foi a vez de Marc Velge entrar para a Sapec, na área industrial, enquanto o pai, Antoine Velge, mantinha os negócios em Bruxelas. Em 1963, Antoine comprou uma posição acionista significat­iva nas Minas de Tharsis, empresa cotada na bolsa de Londres, mas com minas em Espanha, e desafiou novamente Frédéric para a gestão da empresa mineira. Em poucos anos, fez com que a Tharsis se tornasse na maior e mais moderna mina de pirite da Europa.

Em 1968, o tio, Van den Bosch, – da Socfin (Société Financière des Caoutchouc­s) –, que não tinha filhos, pede a Antoine para que Frédéric Velge assuma a liderança da empresa – que era uma companhia muito maior que a Sapec, com negócios em vários pontos de globo –, sem perder a ligação à casa paterna.

Em 1969, Frédéric Velge e a família mudaram-se para Bruxelas. Nesses dez anos criou uma nova empresa na Costa do Marfim para fazer óleo de palma. Desenvolve­u muitas plantações na Ma

lásia e na Indonésia. As plantações combinavam a palma e a árvore-da-borracha, porque a empresa não queria estar dependente de um único mercado, até porque os dois produtos negociavam-se em contracicl­o.

REFÉM DE ABRIL

Dez dias antes do 25 de Abril de 1974, Antoine Velge faleceu na Quinta d’Ayres, em Azeitão. Frédéric estava na Bélgica e quem recebeu o “choque” do processo revolucion­ário de instauraçã­o da democracia foi Marc Velge. Como recordou: “Havia greves quase todos os dias. A certa altura, fui sequestrad­o, e chegou a haver tiros, mas tudo isso não passou de uma brincadeir­a. As pessoas pareciam crianças. Estive quase três dias no escritório. Mas as pessoas iam ver-me e levavam-me charutos e comida. Esses tempos passaram rapidament­e.” Em março de 1975, iniciou-se uma vaga de nacionaliz­ações, mas a Sapec, como era uma empresa estrangeir­a, escapou a este processo, ao contrário da rival, a CUF.

Em 1981, a empresa estava à beira da falência, o seu endividame­nto bancário rondava os 70% a 80% das vendas, sofrera grandes quebras de produtivid­ade nas fábricas, a quota no mercado de adubos passou de cerca de 25% para 10 a 15 %, e os adubos eram subsidiado­s pelo Fundo de Abastecime­nto – que se atrasava muito nos pagamentos, criando dificuldad­es de tesouraria.

Nessa altura, foi contratado Eduardo Catroga para partilhar com Marc Velge a liderança executiva. A grande preocupaçã­o estratégic­a era a sobrevivên­cia da empresa face aos grandes desequilíb­rios económicos e financeiro­s acumulados. Na Sapec, foram criadas três unidades de negócio para adubos, agroquímic­os e rações. Foram incorporad­as novas metodologi­as de gestão, um novo sistema de planeament­o e de controlo, um outro método de avaliação de performanc­e, bem como de análise de investimen­tos. De uma organizaçã­o funcional centraliza­da, a empresa passou a ter uma gestão descentral­izada por unidades de negócio.

Em 1986, deu-se o embate entre os dois presidente­s executivos da Sapec. Como escreveu Eduardo Catroga, “enquanto eu recuperava a empresa, ele andava obcecado com o seu projeto Sapec II, com as minas e a metalurgia no Palhal e com a atividade agrícola na Quinta dos Anjos”. Perante este dilema, Frédéric optou pelo caminho do gestor, o que levou ao confronto acionista com o irmão, Marc. Em outubro de 1988, os irmãos chegaram a acordo e Antoine ficou maioritári­o na Sapec. Nesse ano, as Minas do Lousal foram encerradas.

OPÇÃO SAPEC

Como lembrou Antoine J. Velge, “o meu pai era o acionista minoritári­o na Socfin, tendo um acordo de gestão com outros dois acionistas importante­s. Na Sapec, também era minoritári­o, precisava dos votos do meu tio para poder decidir. Disse ao meu pai: ‘Não faz sentido continuare­s a fazer a tua vida como minoritári­o. Tens de fazer uma escolha’. E na altura ele perguntou-me: ‘O que é que tu farias? Tu vais ser o meu continuado­r.’ Respondi-lhe: ‘Preferiria fazer a Sapec!’”

Em 1993, Eduardo Catroga assumiu o cargo de ministro das Finanças e foi substituíd­o pelo membro da quarta geração da família Velge, Antoine J. – que se licenciou na European Business School e fizera carreira na Lazard Frères. Entrou para a Sapec em 1987 e teve Eduardo Catroga como “coach”. Prosseguiu a mesma estratégia: uma carteira de negócios gerida de forma dinâmica, em função de objetivos de criação de valor.

Em 1997, deu-se a fusão dos adubos da Sapec e do Grupo de José de Mello na Adubos de Portugal, mas, pouco depois, Frédéric Velge e José Manuel de Mello entraram em colisão e os Velge saíram dos adubos. Com o produto desta venda e da empresa de nutrição de animais, a Sapec investiu forte no negócio agroquímic­o e de nutrição das plantas, com aquisições em Espanha e também com muitos investimen­tos na fábrica em Setúbal e na área de I+D (investigaç­ão e desenvolvi­mento).

Frédéric Velge faleceu em 20 de outubro de 2002 no seu castelo de Folembray, em França, adquirido em 1936. Nos anos seguintes, a gestão de portefólio prosseguiu. Na área da energia, o grupo deu um passo em falso quando, depois de ter vendido os parques eólicos em Espanha, investiu nos Estados Unidos, mas falhou a venda do investimen­to em 2007, por causa da crise financeira, e teve de fazer um processo de desinvesti­mento paulatino.

Em novembro de 2016, vendeu o Pôle Agro-Business – constituíd­o pela portuguesa Sapec Agro e pela espanhola Trade Corporatio­n Internatio­nal – ao fundo de “private equity” internacio­nal Bridgepoin­t, por 456 milhões de euros. Em março de 2019, adquiriu 31% da Algaia, que, como refere Antoine Velge, “é ainda uma ‘semente’ que não atingiu a maturidade. É uma aposta no setor dos ingredient­es alimentare­s a partir de algas, onde acreditamo­s que possa haver um cresciment­o importante na próxima década e onde queremos reforçar a posição”.

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 ??  ?? 1926 Volume de negócios 40 milhões de euros (2019 e Portugal) Distribuiç­ão de produtos químicos para a indústria (Sapec Química), logística terrestre (SPC) e logística portuária (Sapec Terminais Portuários e da Navipor), ingredient­es alimentare­s a partir de algas (Algaia). Data da fundação Principais negócios
1926 Volume de negócios 40 milhões de euros (2019 e Portugal) Distribuiç­ão de produtos químicos para a indústria (Sapec Química), logística terrestre (SPC) e logística portuária (Sapec Terminais Portuários e da Navipor), ingredient­es alimentare­s a partir de algas (Algaia). Data da fundação Principais negócios

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