Jornal de Negócios

Finanças temem que Banco de Fomento vá ao défice

A instituiçã­o criada pelo Governo para apoiar as empresas com financiame­nto acessível pode vir a ter impacto nas contas públicas, à semelhança do Fundo de Resolução. Classifica­ção está a ser avaliada pelo INE.

- MARGARIDA PEIXOTO margaridap­eixoto@negocios.pt ANDRÉ VERÍSSIMO averissimo@negocios.pt

Já não bastava o Fundo de Resolução com os impactos do Novo Banco. Agora, o recém-criado Banco de Fomento também pode ir parar ao défice e à dívida pública, agravando indicadore­s que estão sempre sob os holofotes dos mercados – e do Governo.

Onovo Banco Português de Fomento, que será criado para apoiar as empresas com financiame­nto acessível e seguros de crédito à exportação, poderá vir a contar para o défice e para a dívida pública. Este é, pelo menos, um receio dentro do Ministério das Finanças, apurou o Negócios. À luz das regras europeias, a dúvida tem razão de ser.

Em agosto, a Comissão Europeia autorizou a criação do novo Banco Português de Fomento (BPF), ao abrigo da lei da concorrênc­ia e das ajudas de Estado. O objetivo desta nova instituiçã­o financeira será colmatar falhas no mercado, disponibil­izando crédito a custos comportáve­is às empresas que são considerad­as viáveis, ou que têm bons projetos, mas que de outro modo não conseguem aceder a financiame­nto.

A expectativ­a do Governo era que esta entidade não fizesse parte do perímetro das Administra­ções Públicas, até porque haverá casos noutros países europeus onde assim é. Esta era uma condição importante porque só se ficar fora do perímetro é que a sua dívida, e eventual défice, não contam para a dívida pública nem para o saldo orçamental com que Portugal se compromete todos os anos perante o Parlamento e Bruxelas – dois indicadore­s que são seguidos à lupa pelos mercados.

Ao que o Negócios apurou, há uma forte possibilid­ade de as regras se virarem contra a vontade do Executivo. Tal como no caso do

Fundo de Resolução, quem decide se uma entidade faz parte do perímetro é o Instituto Nacional de Estatístic­a (INE) num primeiro momento, e o Eurostat, que depois escrutina e valida a decisão. A vontade do Governo aqui vale pouco: pode argumentar e dar os seus pontos de vista, mas é difícil alterar a decisão dos estatístic­os, que nesta matéria são soberanos. “A classifica­ção por setor institucio­nal do Banco Português de Fomento, S. A. ainda se encontra em análise”, diz o INE, em respostas ao Negócios.

Segundo o Sistema Europeu de

Contas de 2010, o conjunto de regras que norteia estas decisões, há desde logo um critério-chave para determinar se uma entidade faz parte do perímetro: o teste de mercado. “As unidades do setor público que não são mercantis são classifica­das nas administra­ções públicas e as entidades do setor público mercantis” ficam fora, lê-se no manual.

O teste de mercado

Como é que se determina se uma entidade é mercantil? Estas são entidades “que providenci­am toda ou a maior parte do seu produto ( bens e serviços) a preços que são

“A classifica­ção por setor institucio­nal do Banco Português de Fomento ainda se encontra em análise”, diz o INE.

economicam­ente relevantes”, indicou o Eurostat ao Negócios, em respostas sobre a classifica­ção de entidades, em agosto.

Dito de outro modo, esclareceu ainda o organismo de estatístic­as de Bruxelas, “para ser considerad­a mercantil, uma entidade tem de vender os seus produtos a um preço economicam­ente relevante o que, na prática, é avaliado através da pergunta sobre se o produto das suas vendas cobre a maioria dos seus custos de produção”.

No documento de aprovação da criação do Banco de Fomento, a Comissão Europeia clarifica o se

guinte: “As autoridade­s portuguesa­s reconhecem que não é esperado nenhum retorno económico do capital de 255 milhões de euros investido no BPF.”

Também explica que, “ao dirigir-se às falhas de mercado e agir de forma que seja um complement­o do mercado comercial, o BPF aceita por definição projetos que não seriam (ou pelo menos na mesma medida e sob as mesmas condições) aceites por um privado”. Além disso, continua a equipa de Margrethe Vestager, “as autoridade­s portuguesa­s não providenci­aram à Comissão projeções detalhadas que demonstrem que o BPF deverá gerar um retorno dos 255 milhões de euros de capital que investidor­es privados pudessem aceitar”. Antes pelo contrário, “o BPF quer ser um investidor que também tem em consideraç­ão um retorno social mais lato quando faz investimen­tos”. Esta análise dificulta a classifica­ção do banco fora do perímetro.

Tanto a IFD como a SPGM, as entidades que, juntamente com a PME Investimen­to, serão alvo de fusão para criar o BPF, estão incluídas nas contas das administra­ções públicas, consolidan­do a sua dívida e o seu défice com os da República. Mas isso não é determinan­te para este caso, conforme explica o INE: “o facto de a instituiçã­o resultar da fusão de entidades que estão considerad­as em setores institucio­nais diferentes não é determinan­te para a sua classifica­ção, sendo necessário avaliar aprofundad­amente as funções e modo de atuação da entidade.” A decisão só será tomada em março do próximo ano, no âmbito da notificaçã­o do Procedimen­to por Défices Excessivos.

O Negócios contactou o Eurostat para mais esclarecim­entos, mas não foi possível obter resposta até ao fecho da edição.

 ?? João Cortesão ?? João Leão, ministro das Finanças, compromete­u-se com um défice de 4,3% e uma dívida de 130,9% do PIB, em 2021.
João Cortesão João Leão, ministro das Finanças, compromete­u-se com um défice de 4,3% e uma dívida de 130,9% do PIB, em 2021.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal