Mais imparidades após o fim das moratórias no crédito
Os bancos têm constituído imparidades para responder à crise provocada pela pandemia. Este montante poderá aumentar até ao final do ano e, segundo os especialistas, ainda mais quando as moratórias terminarem em setembro de 2021.
Abanca tem vindo a preparar-se para o impacto da pandemia ao constituir imparidades para responder a potenciais perdas futuras, o que tem pressionado os resultados das instituições. Este montante poderá aumentar até ao final do ano e mais ainda quando as moratórias no crédito terminarem no próximo ano, defendem os especialistas.
No primeiro semestre do ano, as instituições financeiras nacionais puseram de parte mais de 700 milhões de euros para fazer face ao impacto da pandemia na economia e, consequentemente, no setor financeiro. De acordo com os dados mais recentes da Associação Portuguesa de Bancos (APB), as imparidades em percentagem do produto bancário passaram de 16,3% no primeiro semestre de 2019 para 25,7% nos primeiros seis meses deste ano. Este reforço levou a que os resultados líquidos dos bancos caíssem 77% no primeiro semestre do ano, face ao período homólogo.
Este valor ainda deverá aumentar. Em abril, o presidente executivo do Santander Portugal lembrou, no Parlamento, que, em período de crise, o custo do risco de crédito no país situa-se entre 1% e 3% da carteira de crédito. Considerando uma carteira total de mais de 213 mil milhões de euros entre a Caixa Geral de Depósitos (CGD), BCP, Santander, BPI, Novo Banco e Banco Montepio, isto significa que as imparidades poderão vir a situar-se entre os 2 mil milhões e os 6,4 mil milhões de euros.
O fim das moratórias – a solução criada em março pelo Governo para permitir que famílias e empresas tenham mais tempo para pagar as dívida junto dos bancos – vai acabar por agravar ainda mais este montante. Recentemente, houve o prolongamento das moratórias até setembro de 2021.
Imparidades vão aumentar de forma “significativa”
“Neste momento, está congelado o reconhecimento das imparidades nesses créditos” abrangidos pelas moratórias, admite Paulo Soares de Pinho, diretor do Lisbon MBA, ao Negócios, explicando que, assim, não será ainda visível um reforço nas contas que os bancos vão apresentar este ano devido à solução do Governo. Agora, continua o professor, “no dia em que acabarem as moratórias, os bancos vão registar imparidades significativas”. É que há algo que será inevitável: o crédito malparado vai aumentar.
“O objetivo das moratórias era precisamente evitar incumprimentos e imparidades, mas é inevitável que parte das moratórias acabe por se converter em crédito malparado”, refere, por outro lado, Filipe Garcia, economista da IMF. Uma ideia que é reforçada por Eric Dor. Para o diretor dos estudos económicos da escola francesa IESEG, “os bancos portugueses enfrentam o risco de um aumento das insolvências após a moratória”, notando que “o risco é, portanto, que os NPL [crédito malparado] aumentem, gerando perdas enormes que vão reduzir o capital dos bancos”.
De acordo com o professor, os bancos nacionais aumentaram os rácios de cobertura dos empréstimos de nível 2, ou seja, créditos que ainda estão saudáveis, mas cujo risco se deteriorou. “O aumento da cobertura mostra que os bancos esperam algumas insolências no futuro”, refere.
Segundo recentes estimativas da Allianz, citadas por Eric Dor, o rácio de crédito malparado dos bancos portugueses poderá disparar para entre 14,1% e 17,3% até dezembro de 2021.
De acordo com a Síntese de Indicadores do Setor Bancário para o primeiro semestre, da APB, o rácio de malparado situava-se nos 5,5%.
O aumento do malparado tem sido antecipado por várias agências financeiras e pelos próprios bancos. “A Caixa está a preparar-se para um aumento de crédito malparado no quarto trimestre deste ano, mas sobretudo no segundo trimestre do ano que vem”, indicou Paulo Macedo, presidente da CGD, em julho. Já o BPI disse antecipar “algum aumento”, enquanto Miguel Maya, CEO do BCP, deixou claro, em maio, que “obviamente vai haver crescimento do incumprimento nos créditos”. Este aumento deverá registar-se depois de as instituições terem feito, nos últimos anos, um esforço de “limpeza” dos ativos tóxicos. De acordo com a APB, o “stock” de NPL passou de perto de 46 mil milhões, em 2016, para cerca de 16 mil milhões de euros até junho deste ano.
No dia em que acabarem as moratórias, os bancos vão registar imparidades significativas. PAULO SOARES DE PINHO Diretor do Lisbon MBA
Os bancos portugueses enfrentam o risco de um aumento das insolvências após a moratória. ERIC DOR Professor da IESEG