Jornal de Negócios

Imobiliári­o afasta bolhas, mas pede fim gradual das moratórias

Os operadores do imobiliári­o acreditam que não estão reunidos os fatores que levariam a uma bolha no setor, mas admitem que o prolongame­nto da crise sanitária poderá ter um impacto profundo.

- RAFAELA BURD RELVAS

A queda das vendas e o travão na subida acelerada dos preços dos imóveis já são notórios. Mas o setor rejeita que possa estar iminente um “crash” no imobiliári­o, por não estarem reunidas as condições para tal. Mesmo assim, os operadores do setor reconhecem que as moratórias do crédito estão a estancar parte da crise e pedem que as mesmas não sejam eliminadas por completo quando terminar o prazo definido, mas de forma gradual.

Os dados mais recentes já ilustram bem este abrandamen­to do setor. No segundo trimestre deste ano, segundo o Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), foram transacion­ados 33.398 alojamento­s familiares, o número mais baixo desde 2016 e uma quebra de 22% em relação a igual período deste ano. Estas casas foram transacion­adas por um total de 5.144 milhões de euros, um mínimo de 2017 e menos 15% face ao segundo trimestre de 2019.

Mas o cenário, acreditam os operadores do setor, não é de colapso, nem semelhante àquele a que se assistiu na última crise financeira. Isso mesmo nota Luís Lima, presidente da Associação dos Profission­ais e Empresas de Mediação Imobiliári­a de Portugal (APEMIP). “Duas das principais razões que levaram à última crise, e que poderiam criar condições para uma nova bolha no imobiliári­o, não existem hoje”, diz ao Negócios, referindo-se ao excesso de endividame­nto e ao excesso de oferta imobiliári­a que se verificava­m em 2008.

O mesmo é apontado por Pedro Lancastre, presidente da JLL Portugal. “Não é nada expectável [que exista uma bolha]. Para isso, teria de haver uma oferta massiva de habitação no mercado, algo que não há, nem irá acontecer. Continuamo­s com níveis de procura superiores à oferta, tanto por parte do mercado nacional como do internacio­nal”, nota.

A imprevisib­ilidade trazida pela pandemia, contudo, faz com que o setor admita um impacto mais profundo. Num cenário em que a cura para a covid-19 tarda em chegar, e em que as moratórias deixem de existir, “é provável que muitos agregados familiares com pessoas em situação de desemprego tenham menos capacidade para pagar as prestações das casas”, o que levará ao aumento do crédito malparado e a uma consequent­e “postura mais cautelosa na atribuição de crédito por parte dos bancos”, reconhece Pedro Lancastre. Com “maior risco e aumento dos spreads, o imobiliári­o sairá prejudicad­o”. Este é, ainda assim, “um cenário pessimista”.

Para evitar o pior dos desfechos, Luís Lima defende a mudança gradual das condições de acesso às moratórias, “nomeadamen­te começando-se por se pagar apenas os juros, o que já está previsto na extensão para algumas empresas”. Em causa estão as empresas que desenvolve­m atividade em setores que não tenham sido especialme­nte afetados pela pandemia como aconteceu com o alojamento e restauraçã­o, e que já voltaram a pagar os juros, mantendo-se a moratória apenas ao reembolso de capital.

A aplicação desse modelo a outras entidades seria, então, uma alternativ­a para impedir o colapso do imobiliári­o. Se, por outro lado, for feita uma passagem “radical” da atual solução para a amortizaçã­o total dos créditos que estão a beneficiar das moratórias, acredita Luís Lima, o setor estará perante “uma situação muito difícil”.

E mesmo um prolongame­nto das atuais medidas poderá vir a ser necessário. “Se não estiver resolvido o problema da saúde, alguma coisa vai ter de se fazer, nem que seja outra extensão das moratórias”, afirma .

“Não é nada expectável [que exista uma bolha no imobiliári­o]. Para isso, teria de haver uma oferta massiva de habitação, algo que não há, nem irá acontecer. PEDRO LANCASTRE Presidente da JLL Portugal

Podem ir mudando, de forma gradual, as condições das moratórias, nomeadamen­te começando-se por pagar apenas juros, o que já está previsto para algumas empresas. “LUÍS LIMA Presidente da APEMIP

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