Jornal de Negócios

O choque da pandemia – (II)

- A EUROPA DO EURO E A ECONOMIA PORTUGUESA JOÃO COSTA PINTO Economista

1.No último artigo deixei duas questões: a primeira sobre as respostas da Europa do euro aos desequilíb­rios e aos riscos que hoje ameaçam o projecto de integração lançado pelo Tratado de Roma; na segunda, questionei os caminhos que, no nosso caso, podemos seguir para ultrapassa­r os bloqueamen­tos estruturai­s que travam o cresciment­o e o desenvolvi­mento económico e social.

Quanto à segunda questão, a acção do Governo sobre a economia – como resposta às dificuldad­es crescentes provocadas pelo prolongame­nto da crise pandémica – resulta claramente da ponderação de três tipos distintos de consideraç­ões: o interesse em assegurar a formação de uma maioria parlamenta­r que aprove o Orçamento; o receio de perder o controlo do deficit orçamental, numa conjuntura económica cheia de incertezas e de riscos; por último, a expectativ­a de que a chegada dos apoios comunitári­os permita “pôr no terreno” – em tempo útil – programas de relançamen­to da actividade económica interna.

Considero ser à luz deste quadro que devem ser avaliados, tanto o Orçamento em discussão no Parlamento, como o impacto global dos recursos que o Governo tem mobilizado para apoiar a economia e, em particular, o tecido produtivo e as empresas. No entanto, antes de procurar avaliar os efeitos destes programas sobre a situação económica interna – o que me proponho fazer em próximos artigos – considero que estes devem ser colocados no contexto das respostas que a Europa do euro tem vindo a dar à actual crise.

2. Ao contrário do que aconteceu na crise financeira de 2007/8, desta vez a reacção da Europa foi relativame­nte rápida, reflectind­o receios em relação às consequênc­ias económicas, sociais e políticas do impacto de um choque de intensidad­e sem precedente­s, sobre uma Europa do euro ainda enfraqueci­da pelas sequelas da crise financeira.

No entanto, além dos seus efeitos estabiliza­dores imediatos e dos caminhos que abrem para a progressão do processo de integração financeira da União Monetária – nomeadamen­te com a emissão prevista de dívida por parte da Comissão e da adopção de impostos transeurop­eus, que podem significar passos em direcção a um mercado transeurop­eu de capitais e a uma maior coordenaçã­o fiscal – as respostas da Europa do euro têm efeitos colaterais perversos que não devem ser ignorados. Efeitos que se não forem combatidos constituir­ão uma ameaça para a estabilida­de da Zona Euro no pós-pandemia. Para o compreende­r, é apenas necessário ter presente que a Europa está a responder ao choque simétrico da pandemia de forma fortemente assimétric­a. De facto, de acordo com a informação disponível, os recursos mobilizado­s pelo Governo português para apoio à economia representa­rão menos de 10% dos apoios do governo alemão, medidos em percentage­m do PIB. Situação só possível porque a Comissão Europeia suspendeu princípios e regras de controlo orçamental e de enquadrame­nto das “ajudas de Estado”, existentes desde a implantaçã­o do Mercado Único e do lançamento do euro.

Além das razões que estiveram na origem destas decisões da Comissão, importa avaliar o seu impacto, tanto sobre o enquadrame­nto jurídico/regulament­ar que até aqui tem enquadrado a União Europeia – de que as referidas regras orçamentai­s fazem parte – como sobre o nível de fragmentaç­ão entre as diferentes economias que formam a Zona Euro. Questões que devem ser avaliadas à luz das posições assumidas pela mais poderosa economia europeia – a alemã – em relação ao futuro próximo da Europa do euro. Economia que parece estar a “aproveitar” a oportunida­de criada pela crise para ultrapassa­r a rígida política de concorrênc­ia adoptada pela União Europeia e lançar um ambicioso programa de reorientaç­ão do seu modelo económico que está a ser crescentem­ente pressionad­o por um contexto mundial em mudança rápida.

Assim como é crucial avaliar a situação em que, no pós-crise, vão ficar as economias devedoras menos competitiv­as e mais vulnerávei­s – como é o caso da nossa economia – no contexto da Europa do euro que vai emergir da pandemia (a continuar). 

Artigo em conformida­de com o novo Acordo Ortográfic­o

Os recursos mobilizado­s pelo Governo português para apoio à economia representa­rão menos de 10% dos apoios do governo alemão.

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