O choque da pandemia – (II)
1.No último artigo deixei duas questões: a primeira sobre as respostas da Europa do euro aos desequilíbrios e aos riscos que hoje ameaçam o projecto de integração lançado pelo Tratado de Roma; na segunda, questionei os caminhos que, no nosso caso, podemos seguir para ultrapassar os bloqueamentos estruturais que travam o crescimento e o desenvolvimento económico e social.
Quanto à segunda questão, a acção do Governo sobre a economia – como resposta às dificuldades crescentes provocadas pelo prolongamento da crise pandémica – resulta claramente da ponderação de três tipos distintos de considerações: o interesse em assegurar a formação de uma maioria parlamentar que aprove o Orçamento; o receio de perder o controlo do deficit orçamental, numa conjuntura económica cheia de incertezas e de riscos; por último, a expectativa de que a chegada dos apoios comunitários permita “pôr no terreno” – em tempo útil – programas de relançamento da actividade económica interna.
Considero ser à luz deste quadro que devem ser avaliados, tanto o Orçamento em discussão no Parlamento, como o impacto global dos recursos que o Governo tem mobilizado para apoiar a economia e, em particular, o tecido produtivo e as empresas. No entanto, antes de procurar avaliar os efeitos destes programas sobre a situação económica interna – o que me proponho fazer em próximos artigos – considero que estes devem ser colocados no contexto das respostas que a Europa do euro tem vindo a dar à actual crise.
2. Ao contrário do que aconteceu na crise financeira de 2007/8, desta vez a reacção da Europa foi relativamente rápida, reflectindo receios em relação às consequências económicas, sociais e políticas do impacto de um choque de intensidade sem precedentes, sobre uma Europa do euro ainda enfraquecida pelas sequelas da crise financeira.
No entanto, além dos seus efeitos estabilizadores imediatos e dos caminhos que abrem para a progressão do processo de integração financeira da União Monetária – nomeadamente com a emissão prevista de dívida por parte da Comissão e da adopção de impostos transeuropeus, que podem significar passos em direcção a um mercado transeuropeu de capitais e a uma maior coordenação fiscal – as respostas da Europa do euro têm efeitos colaterais perversos que não devem ser ignorados. Efeitos que se não forem combatidos constituirão uma ameaça para a estabilidade da Zona Euro no pós-pandemia. Para o compreender, é apenas necessário ter presente que a Europa está a responder ao choque simétrico da pandemia de forma fortemente assimétrica. De facto, de acordo com a informação disponível, os recursos mobilizados pelo Governo português para apoio à economia representarão menos de 10% dos apoios do governo alemão, medidos em percentagem do PIB. Situação só possível porque a Comissão Europeia suspendeu princípios e regras de controlo orçamental e de enquadramento das “ajudas de Estado”, existentes desde a implantação do Mercado Único e do lançamento do euro.
Além das razões que estiveram na origem destas decisões da Comissão, importa avaliar o seu impacto, tanto sobre o enquadramento jurídico/regulamentar que até aqui tem enquadrado a União Europeia – de que as referidas regras orçamentais fazem parte – como sobre o nível de fragmentação entre as diferentes economias que formam a Zona Euro. Questões que devem ser avaliadas à luz das posições assumidas pela mais poderosa economia europeia – a alemã – em relação ao futuro próximo da Europa do euro. Economia que parece estar a “aproveitar” a oportunidade criada pela crise para ultrapassar a rígida política de concorrência adoptada pela União Europeia e lançar um ambicioso programa de reorientação do seu modelo económico que está a ser crescentemente pressionado por um contexto mundial em mudança rápida.
Assim como é crucial avaliar a situação em que, no pós-crise, vão ficar as economias devedoras menos competitivas e mais vulneráveis – como é o caso da nossa economia – no contexto da Europa do euro que vai emergir da pandemia (a continuar).
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
Os recursos mobilizados pelo Governo português para apoio à economia representarão menos de 10% dos apoios do governo alemão.