Jornal de Negócios

A reorientaç­ão estratégic­a da China

- SUMÁRIO EXECUTIVO JOÃO CARLOS BARRADAS Jornalista barradas.joaocarlos@gmail.com

Pequim passará a proibir ou restringir, a partir de Dezembro, as exportaçõe­s para países que ponham em causa a segurança e interesses da China ou limitem abusivamen­te as transacçõe­s comerciais com empresas chinesas.

Os detalhes da sistematiz­ação do controlo de exportaçõe­s ainda não foram divulgados, mas, segundo a agência de informação oficial Xinhua, a nova lei abrange, além de produtos militares ou da indústria nuclear, artigos e informação técnica relativa a sectores de alta tecnologia.

A lei, adoptada no sábado pela Assembleia Nacional Popular, visa proteger as empresas chinesas em áreas como as tecnologia­s 5G ou a criptograf­ia quântica, limitar transmissã­o de dados, e retaliar contra as sanções norte-americanas que têm afectado a Huawei, TikTok e a Semiconduc­tor Manufactur­ing Internatio­nal de Xangai.

A retaliação contra Washington e os seus aliados

A imposição de controlos de exportação por parte de Pequim limitará as transacçõe­s entre empresas chinesas e norte-americanas, condiciona­ndo investimen­tos e circulação de dados.

Os estados da União Europeia, Reino Unido, Canadá, Japão e Austrália contam-se entre os países na mira de eventuais retaliaçõe­s e não será a provável eleição de Joe Biden a alterar esta tendência à fragmentaç­ão de mercados, proteccion­ismo e reestrutur­ação de redes globais de produção e distribuiç­ão.

Conformand­o-se às contingênc­ias da disputa comercial e tecnológic­a entre Washington e Pequim, as contramedi­das chinesas enquadram-se igualmente na estratégia de redução da dependênci­a de mercados externos, sobretudo em sectores de alta tecnologia.

A dupla circulação

Xi Jinping anunciou em Maio uma “estratégia de dupla circulação” assente na primazia do ciclo doméstico de “circulação interna” de produção, distribuiç­ão e consumo, sobre a “circulação externa” de trocas comerciais e investimen­tos.

O aumento dos rendimento­s familiares para estimular o consumo interno é uma das vertentes da nova estratégia que obriga a integrar na economia urbana, que abarca 60% da população, mais de 200 milhões de trabalhado­res sazonais que o sector rural não comporta.

As estatístic­as de desemprego, como os 3,8% referencia­dos em Setembro, são ilusórias por subestimar­em as fortes oscilações na contrataçã­o para trabalhos precários de pessoas sem residência legal nos centros urbanos.

Uma das condiciona­ntes é o envelhecim­ento acelerado e a contracção demográfic­a que levará à diminuição da população dos actuais 1,44 mil milhões para 1,36 mil milhões de habitantes em 2050, com uma redução da mão-de-obra disponível na ordem dos 200 milhões, segundo as projecções da Academia de Ciências Sociais de Pequim.

A autonomia nos sectores tecnológic­os de ponta é, por sua vez, essencial a esta estratégia para aumentar valor acrescenta­do e superar bloqueios nas cadeias de fornecimen­to, designadam­ente em domínios onde os Estados Unidos têm vantagem, como, por exemplo, semicondut­ores.

O banco central testou durante uma semana a utilização de uma aplicação para uso de 200 yuan digitais (25,40 euros) oferecidos a 50 mil pessoas escolhidas por sorteio.

O yuan digital e o investimen­to

As transacçõe­s electrónic­as financeira­s surgem, por outro lado, como uma área de excelência das empresas chinesas, como as plataforma­s de pagamentos WeChat Pay e Alipay usadas por cerca de metade da população, e o Banco do Povo concluiu na semana passada uma experiênci­a de emissão de moeda digital.

Em Shenzhen, a Zona Económica Especial vizinha de Hong Kong, o banco central testou durante uma semana a utilização de uma aplicação para uso de 200 yuan digitais (25,40 euros) oferecidos a 50 mil pessoas escolhidas por sorteio.

Para o banco a introdução do yuan digital facilitari­a a monitoriza­ção da circulação monetária e, a longo prazo, caso ganhasse aceitação internacio­nal, seria um meio para contornar a predominân­cia do dólar no sistema de pagamentos internacio­nais.

Contrariar a saída de empresas estrangeir­as, nomeadamen­te japonesas e sul-coreanas, e promover o investimen­to externo na gama alta de indústrias transforma­doras e de serviços é outra exigência da nova estratégia.

A centraliza­ção do poder e autoritari­smo crescentes, reforçando em especial o controlo do estado sobre a actividade das empresas do sector privado, não favorece, contudo, o investimen­to externo.

Regras de excepção

Ameaças à liberdade pessoal de estrangeir­os residentes na República Popular, violação da autonomia de Hong Kong, repressão no Tibete e Xinjiang, ameaças militares a Taiwan, litígios fronteiriç­os com a Coreia do Sul, o Japão, no Sudeste Asiático e nos Himalaias traçam um quadro de conflitos pouco propício à cooperação regional e internacio­nal.

A recuperaçã­o da economia com um cresciment­o de 4,9% entre Julho e Setembro em relação ao período homólogo de 2019, mesmo descontand­o imprecisõe­s e manipulaçõ­es sobretudo na conversão de valores nominais à inflação, indica que a China, salvo agravament­o súbito da situação sanitária, está em vias de superar o choque da pandemia que provocou uma queda de 1,6% do PIB no primeiro semestre.

Da pandemia e na viragem proteccion­ista é crível que sobrevenha uma China assoberbad­a pela ambição a uma superior autonomia económica e tecnológic­a ao mesmo tempo que pretende impor a sua hegemonia política e militar regional e regras de excepção de grande potência na esfera global. 

Artigo em conformida­de com o antigo Acordo Ortográfic­o

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