A reorientação estratégica da China
Pequim passará a proibir ou restringir, a partir de Dezembro, as exportações para países que ponham em causa a segurança e interesses da China ou limitem abusivamente as transacções comerciais com empresas chinesas.
Os detalhes da sistematização do controlo de exportações ainda não foram divulgados, mas, segundo a agência de informação oficial Xinhua, a nova lei abrange, além de produtos militares ou da indústria nuclear, artigos e informação técnica relativa a sectores de alta tecnologia.
A lei, adoptada no sábado pela Assembleia Nacional Popular, visa proteger as empresas chinesas em áreas como as tecnologias 5G ou a criptografia quântica, limitar transmissão de dados, e retaliar contra as sanções norte-americanas que têm afectado a Huawei, TikTok e a Semiconductor Manufacturing International de Xangai.
A retaliação contra Washington e os seus aliados
A imposição de controlos de exportação por parte de Pequim limitará as transacções entre empresas chinesas e norte-americanas, condicionando investimentos e circulação de dados.
Os estados da União Europeia, Reino Unido, Canadá, Japão e Austrália contam-se entre os países na mira de eventuais retaliações e não será a provável eleição de Joe Biden a alterar esta tendência à fragmentação de mercados, proteccionismo e reestruturação de redes globais de produção e distribuição.
Conformando-se às contingências da disputa comercial e tecnológica entre Washington e Pequim, as contramedidas chinesas enquadram-se igualmente na estratégia de redução da dependência de mercados externos, sobretudo em sectores de alta tecnologia.
A dupla circulação
Xi Jinping anunciou em Maio uma “estratégia de dupla circulação” assente na primazia do ciclo doméstico de “circulação interna” de produção, distribuição e consumo, sobre a “circulação externa” de trocas comerciais e investimentos.
O aumento dos rendimentos familiares para estimular o consumo interno é uma das vertentes da nova estratégia que obriga a integrar na economia urbana, que abarca 60% da população, mais de 200 milhões de trabalhadores sazonais que o sector rural não comporta.
As estatísticas de desemprego, como os 3,8% referenciados em Setembro, são ilusórias por subestimarem as fortes oscilações na contratação para trabalhos precários de pessoas sem residência legal nos centros urbanos.
Uma das condicionantes é o envelhecimento acelerado e a contracção demográfica que levará à diminuição da população dos actuais 1,44 mil milhões para 1,36 mil milhões de habitantes em 2050, com uma redução da mão-de-obra disponível na ordem dos 200 milhões, segundo as projecções da Academia de Ciências Sociais de Pequim.
A autonomia nos sectores tecnológicos de ponta é, por sua vez, essencial a esta estratégia para aumentar valor acrescentado e superar bloqueios nas cadeias de fornecimento, designadamente em domínios onde os Estados Unidos têm vantagem, como, por exemplo, semicondutores.
O banco central testou durante uma semana a utilização de uma aplicação para uso de 200 yuan digitais (25,40 euros) oferecidos a 50 mil pessoas escolhidas por sorteio.
O yuan digital e o investimento
As transacções electrónicas financeiras surgem, por outro lado, como uma área de excelência das empresas chinesas, como as plataformas de pagamentos WeChat Pay e Alipay usadas por cerca de metade da população, e o Banco do Povo concluiu na semana passada uma experiência de emissão de moeda digital.
Em Shenzhen, a Zona Económica Especial vizinha de Hong Kong, o banco central testou durante uma semana a utilização de uma aplicação para uso de 200 yuan digitais (25,40 euros) oferecidos a 50 mil pessoas escolhidas por sorteio.
Para o banco a introdução do yuan digital facilitaria a monitorização da circulação monetária e, a longo prazo, caso ganhasse aceitação internacional, seria um meio para contornar a predominância do dólar no sistema de pagamentos internacionais.
Contrariar a saída de empresas estrangeiras, nomeadamente japonesas e sul-coreanas, e promover o investimento externo na gama alta de indústrias transformadoras e de serviços é outra exigência da nova estratégia.
A centralização do poder e autoritarismo crescentes, reforçando em especial o controlo do estado sobre a actividade das empresas do sector privado, não favorece, contudo, o investimento externo.
Regras de excepção
Ameaças à liberdade pessoal de estrangeiros residentes na República Popular, violação da autonomia de Hong Kong, repressão no Tibete e Xinjiang, ameaças militares a Taiwan, litígios fronteiriços com a Coreia do Sul, o Japão, no Sudeste Asiático e nos Himalaias traçam um quadro de conflitos pouco propício à cooperação regional e internacional.
A recuperação da economia com um crescimento de 4,9% entre Julho e Setembro em relação ao período homólogo de 2019, mesmo descontando imprecisões e manipulações sobretudo na conversão de valores nominais à inflação, indica que a China, salvo agravamento súbito da situação sanitária, está em vias de superar o choque da pandemia que provocou uma queda de 1,6% do PIB no primeiro semestre.
Da pandemia e na viragem proteccionista é crível que sobrevenha uma China assoberbada pela ambição a uma superior autonomia económica e tecnológica ao mesmo tempo que pretende impor a sua hegemonia política e militar regional e regras de excepção de grande potência na esfera global.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico