Jornal de Negócios

De mãos atadas

- maovisivel@gmail.com ANTÓNIO NOGUEIRA LEITE

Aapresenta­ção do Orçamento do Estado para 2021 é a mais eloquente prova da falta de margem orçamental depois dos anos do “milagre” orçamental da anterior legislatur­a. É certo que as orações laudatória­s à política orçamental seguida e aos seus resultados não vieram apenas dos partidos que apoiaram o Governo, mas também do Presidente, representa­ntes variados da “sociedade civil” e, a sempre previsível nestas matérias, Comissão Europeia. Esta, seguindo os caminhos trilhados em crises anteriores, fez vista grossa ao modo como o ajustament­o foi prosseguin­do, centrando-se na métrica do défice global.

Fiz parte, como já vem sendo costume, da ínfima minoria que se preocupou em chamar a atenção para as deficiênci­as do ajuste orçamental seguido, muito assente na ausência de investimen­to público – ainda que generosame­nte orçamentad­o, mas sempre muito cativado – e o bónus de juros historicam­ente baixos, o que se mantém e manterá nos tempos mais próximos. Na verdade, se nos centrarmos nos indicadore­s mais relevantes para o período de 2016 a 2019, verificare­mos que o avanço em termos de consolidaç­ão foi muito curto. O défice estrutural reduziu-se apenas 1.5 p.p. entre 2016 e 2019 ( baixou de 2% para 0,5%). Como ainda na semana passada mostrou Joaquim Sarmento noutra publicação, sem o efeito dos juros e dos dividendos do banco central, o défice estrutural tinha-se mantido inalterado entre 2015 e 2019, em valores próximos de 2%.

É por isto que a reacção orçamental portuguesa em 2020 ao impacto da actual pandemia foi tão comedida face ao que verificámo­s ter acontecido nos países a que agora chamamos frugais. Repetindo os erros do passado, fazemos figura na Europa usando caminhos fáceis e previsívei­s que aquela fingiu não perceber. Quando a política orçamental pode ser relevante e, no imediato, útil a suprir as falhas de investimen­to do passado, a margem de manobra escasseia. É este, em termos gerais, o drama do Professor Leão no Orçamento para 2021. O caminho que ajudou a percorrer deixou-o agora de mãos quase atadas. 

“Portugal tem sido uma história de sucesso… com uma melhoria impression­ante das suas finanças públicas.” PIERRE MOSCOVICI

LUSA OUTUBRO DE 2019

Artigo em conformida­de com o antigo Acordo Ortográfic­o

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