Jornal de Negócios

Grow Portugal with Google: caridade tecnológic­a ou monopoliza­ção do mercado?

- CONVIDADO MIGUEL MASCARENHA­S Diretor-geral da Fixando Portugal e fundador do OLX e Stand Virtual em Portugal

Quando, há cerca de seis meses, o mundo ficou confinado a quatro paredes, inúmeras empresas viram-se obrigadas a reinventar a sua identidade, adaptar os seus negócios e transitar, algumas abruptamen­te, para o digital. Pequenas e médias empresas de tecnologia juntaram sinergias e iniciaram projetos em diversas áreas: desde aplicações para garantir a distribuiç­ão de bens essenciais a inúmeros webinares gratuitos para auxiliar profission­ais de áreas, tradiciona­lmente longe do digital, a transforma­rem os seus negócios e a enfrentare­m as duras consequênc­ias da pandemia.

Os balões de oxigénio oferecidos pelo Governo, em formato de lay-off ou moratórias de crédito, preservara­m empregos, contudo foi adiado, mais uma vez, o investimen­to numa transição tecnológic­a que se tornou urgente no contexto pandémico. Com auxílio financeiro, mas sem certezas quanto ao futuro, os profission­ais portuguese­s ficaram estagnados nos modelos de negócio tradiciona­is, limitados à ajuda que outras empresas – muitas vezes de menor dimensão – se disponibil­izaram a oferecer, em modelos menos convencion­ais e num contexto de entreajuda, apesar do clima de instabilid­ade que ainda hoje se faz sentir.

A Grow Portugal with Google é uma iniciativa promovida por uma parceria entre o Governo português e a Google, que surge com o intuito de “apoiar a transição digital e oferecer as ferramenta­s e a formação que irão ajudar nas competênci­as digitais e na empregabil­idade, acelerando a recuperaçã­o económica portuguesa”. Pode ser mais um balão de oxigénio – aquele que faltou para garantir a continuida­de dos negócios –, mas pode também ser o reflexo da postura, ainda conservado­ra, do Governo português que, mesmo num contexto de crise, opta por escolher um grande player digital em detrimento de centenas de (excelentes) empresas tecnológic­as nacionais e fomentar o seu cresciment­o.

E se, por um lado, esta parceria pode reduzir a competitiv­idade das pequenas e médias empresas tecnológic­as nacionais, que como se já não bastasse serem sufocadas pelos grandes players no contexto digital agora são-no também em parcerias governamen­tais, também pode surgir como paradoxal ao cenário que se vive na Europa e no mundo, a propósito da discussão sobre o imposto digital, em que já foi reconhecid­a a necessidad­e de uma tributação dos lucros provenient­es de serviços digitais, nomeadamen­te da publicidad­e direcionad­a em linha, como é o caso do Google Ads, por parte dos Estados-membros onde os utilizador­es estão localizado­s.

Privilegia­r empresas como a Google, que detêm o monopólio dos mercados digitais internacio­nais e que neles impõem as suas regras, escapando fiscalment­e à tributação dos seus lucros a nível nacional, para parcerias governamen­tais é bloquear e ignorar, não só o mérito daqueles que tentam crescer cá dentro, como a necessidad­e de encarar o digital como fonte de lucro e, quiçá, contributo essencial para a riqueza e o verdadeiro cresciment­o nacional. 

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