Grow Portugal with Google: caridade tecnológica ou monopolização do mercado?
Quando, há cerca de seis meses, o mundo ficou confinado a quatro paredes, inúmeras empresas viram-se obrigadas a reinventar a sua identidade, adaptar os seus negócios e transitar, algumas abruptamente, para o digital. Pequenas e médias empresas de tecnologia juntaram sinergias e iniciaram projetos em diversas áreas: desde aplicações para garantir a distribuição de bens essenciais a inúmeros webinares gratuitos para auxiliar profissionais de áreas, tradicionalmente longe do digital, a transformarem os seus negócios e a enfrentarem as duras consequências da pandemia.
Os balões de oxigénio oferecidos pelo Governo, em formato de lay-off ou moratórias de crédito, preservaram empregos, contudo foi adiado, mais uma vez, o investimento numa transição tecnológica que se tornou urgente no contexto pandémico. Com auxílio financeiro, mas sem certezas quanto ao futuro, os profissionais portugueses ficaram estagnados nos modelos de negócio tradicionais, limitados à ajuda que outras empresas – muitas vezes de menor dimensão – se disponibilizaram a oferecer, em modelos menos convencionais e num contexto de entreajuda, apesar do clima de instabilidade que ainda hoje se faz sentir.
A Grow Portugal with Google é uma iniciativa promovida por uma parceria entre o Governo português e a Google, que surge com o intuito de “apoiar a transição digital e oferecer as ferramentas e a formação que irão ajudar nas competências digitais e na empregabilidade, acelerando a recuperação económica portuguesa”. Pode ser mais um balão de oxigénio – aquele que faltou para garantir a continuidade dos negócios –, mas pode também ser o reflexo da postura, ainda conservadora, do Governo português que, mesmo num contexto de crise, opta por escolher um grande player digital em detrimento de centenas de (excelentes) empresas tecnológicas nacionais e fomentar o seu crescimento.
E se, por um lado, esta parceria pode reduzir a competitividade das pequenas e médias empresas tecnológicas nacionais, que como se já não bastasse serem sufocadas pelos grandes players no contexto digital agora são-no também em parcerias governamentais, também pode surgir como paradoxal ao cenário que se vive na Europa e no mundo, a propósito da discussão sobre o imposto digital, em que já foi reconhecida a necessidade de uma tributação dos lucros provenientes de serviços digitais, nomeadamente da publicidade direcionada em linha, como é o caso do Google Ads, por parte dos Estados-membros onde os utilizadores estão localizados.
Privilegiar empresas como a Google, que detêm o monopólio dos mercados digitais internacionais e que neles impõem as suas regras, escapando fiscalmente à tributação dos seus lucros a nível nacional, para parcerias governamentais é bloquear e ignorar, não só o mérito daqueles que tentam crescer cá dentro, como a necessidade de encarar o digital como fonte de lucro e, quiçá, contributo essencial para a riqueza e o verdadeiro crescimento nacional.