Moratórias são “bomba-relógio” para os bancos
Portugal é o país onde o peso no crédito total é mais elevado Especialistas alertam para impacto quando o regime acabar Imobiliário pede fim gradual, começando pelo pagamento de juros
Com a pandemia foram muitos os milhares de portugueses que entraram em lay-off ou as empresas que viram a sua atividade abrandar. O Governo acabou por adotar as moratórias no crédito para tentar “estancar” os efeitos destes problemas de liquidez, prolongando não por uma vez, mas por duas, esta solução que permite adiar o pagamento das dívidas e dos juros. Parte destas moratórias acabarão por se transformar em crédito malparado, naquela que é uma “bomba-relógio” que paira sobre o setor financeiro.
Foi em março deste ano, quando a pandemia chegou a Portugal, que o Governo decidiu criar uma moratória legal. O objetivo era apoiar aqueles que mais seriam penalizados pelo impacto da pandemia ao dar mais tempo para pagarem as suas prestações junto da banca. No entanto, esta medida irá, mais tarde ou mais, acabar e isso trará consequências.
“Graças às moratórias, a situação parece estar artificialmente sob controlo. Mas é uma solução temporária. A expectativa é que após a crise e com uma forte recuperação, a maioria dos devedores seja capaz de voltar a pagar as suas dívidas. Mas isto é muito incerto. Há empresas que provavelmente já estão insolventes, mas a sua situação está a ser disfarçada pela moratória”, afirma ao Negócios Eric Dor, professor e diretor dos estudos económicos da escola francesa IESEG.
Neste sentido, diz Tiago Cardão-Pito, as moratórias “não constituem um método de resolução dos problemas causados pela grave crise pandémica, donde repercutem grandes consequências económicas e sociais”. Para o professor do ISEG, “as moratórias são, essencialmente, um meio de adiar a resolução de graves problemas que continuarão a existir”.
Esta solução, que permite adiar o pagamento de capital e juros ou apenas de capital, tinha como prazo inicial setembro deste ano. Foi depois adiada até março do próximo ano e, mais recentemente, até setembro de 2021. De acordo com um relatório da DBRS, divulgado na semana passada, Portugal é um dos países da Europa onde a moratória é mais longa.
Enquanto Tiago Cardão-Pito nota que este “adiamento é sem dúvida importante”, pois “procura-se um diferimento dos problemas para um período futuro em que a crise tenha sido pelo menos atenuada”, Filipe Garcia, economista da IMF, considera que, “à primeira vista, até parece um pouco excessivo, dado que se está a congelar as prestações por 18 meses ”.
Já Paulo Soares de Pinho afirma que “estamos a ir longe demais” nas moratórias. Para o diretor do Lisbon MBA, esta solução “é uma faca de dois gumes”. Isto porque, explica, se por um lado está a ajudar empresas ainda viáveis, por outro lado faz com as chamadas empresas “zombies” agravem a sua situação e adiem a resolução dos problemas, sem que a banca as possa pressionar e pôr “fim a um poço sem fundo”.
Nesse sentido, a banca devia ter mais poder de decisão neste processo. “O BCE devia dar aos bancos o poder de decidir quais os créditos que teriam direito de avançar já para ações de recuperação” antes que os bancos fiquem sem garantias para executar, diz Paulo Soares de Pinho, salientando que “o facto de os bancos não terem poder para intervir está claramente a fazer com que as situações se agravem”.
“Pior que uma bomba-relógio”
Os dados mais recentes do Banco de Portugal mostram que foram feitos 788 mil pedidos de adesão a moratórias de crédito, para suspender o pagamento total ou parcial de prestações, entre o dia 27 de março e o final de agosto. Deste total, 726.996 foram integrados neste regime excecional. O crédito de empresas representa 28,8%
do total, enquanto o crédito à habitação pesa 43%.
Já à escala europeia, os bancos portugueses são os que têm a maior proporção de moratórias em relação ao crédito total. Representam perto de 22% do crédito, mostra o relatório da DBRS.
“Isto é mais do que uma bomba-relógio. Bomba-relógio seria se tivéssemos situações más que apenas estamos a adiar. É pior que isso. Temos situações más que estamos a agravar”, diz Paulo Soares de Pinho, do Lisbon MBA, ao Negócios.
“Percebe-se a intenção de dar tempo à economia para recuperar, mas, mais tarde ou mais cedo, terá de se enfrentar a realidade”, refere, por outro lado, o economista Filipe Garcia, alertando que “tudo o que rodeia as moratórias prejudica a normalidade da tomada de decisões dos diversos agentes económicos envolvidos”.
Já Tiago Cardão-Pito afirma ser “difícil saber como vai evoluir a situação, pois há muitos fatores de incerteza”. De acordo com o professor do ISEG, “se se verificarem os piores cenários” e a
“crise pandémica demorar muito tempo a ser resolvida, no limite, daqui podem vir consequências diretas e indiretas bastante penosas. Diretas para a sustentabilidade e sobrevivência dos próprios bancos. Indiretas para a sociedade se os bancos deixarem de ser capazes de providenciar liquidez e financiar a economia portuguesa”.
Os alerta da banca e do regulador
Os alertas também têm surgido por parte dos bancos e do próprio regulador. Luís Máximo dos Santos, vice-governador do Banco de Portugal (BdP), afirmou, na semana passada, que é preciso começar a delinear uma estratégia de saída das moratórias, já que estas não são uma “panaceia”.
“As moratórias permitem ganhar tempo e gerir melhor a conjuntura imediata, mas haverá um momento em que terão de cessar”, alertou o responsável num “podcast” do BdP. Aí, continuou, “terá de se pensar numa espécie de estratégia de saída porque a recuperação da atividade económica provavelmente não vai ser de índole a que uma vez terminadas as moratórias – a suspensão dos reembolsos de crédito – todos os beneficiários delas possam estar em condições de passar a cumprir”.
Já em maio, o presidente do Santander Portugal, Pedro Castro e Almeida, tinha afirmado que “o grande tsunami há de vir quando acabarem as moratórias”.
Este fim de semana, em entrevista ao Expresso, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, assumiu que o Governo está a preparar uma solução para o fim das moratórias, sem adiantar detalhes. “Aquilo que me parece mais importante – e é isso que tenho estado a falar com as autoridades de supervisão e com o sistema bancário – é que, antes de terminarem as moratórias, precisamos de começar a construir soluções de capitalização”, afirmou o ministro, afastando soluções a fundo perdido. E salientou: “É importante, durante o primeiro semestre do próximo ano, ter uma solução relativamente sistémica, que seja fácil de implementar, de reforço dos capitais próprios das empresas”.