E que tal olhar mais além?
Quando nos dispersamos a perorar sobre conceitos, nada melhor do que regressar ao dicionário. Nele excedente é descrito como: 1) diferença para mais, demasia; 2) sobra; 3) troco; 4) falta de moderação, desmando; 5) cúmulo. No discurso político, o centro da discussão tem pendido mais para a “falta de moderação” e “cúmulo”, até porque dá jeito dramatizar quando se pretende aprovar medidas que seguem na direção oposta. Na prática, é um misto de “que péssimos governantes estes com tanto dinheiro para gastar” com um “olhem que responsáveis somos nós a virar a página da conflitualidade”.
Se a economia seguir o curso que o Banco de Portugal projeta, os próximos três anos são de crescimento económico estrutural, algo pouco habitual para a economia nacional. Silva Lopes, que quase todos reconhecem como um dos mais brilhantes economistas que o país teve, lembrava em 2002 que os opositores a medidas de contenção de despesa “consideram que o Estado tem recursos financeiros abundantes, sejam os dos impostos, sejam os do endividamento”.
“Ou então pretendem que os sacrifícios impostos pela contenção de despesas recaiam sobre outros e não sobre os grupos de atividade que defendem.”
Vinte anos volvidos, estamos no mesmo... A discussão é feita na lógica do quanto mais se pode gastar e nunca na perspetiva do como recompor a despesa. E com um parlamento ultrafragmentado a ordem será gastar e gastar.
A despesa em percentagem do PIB tem vindo a reduzir-se, não porque se gaste menos, mas porque a riqueza criada o tem acomodado. Ainda assim, não esqueçamos que, em termos nominais, passámos de despesas totais de 93 mil milhões de euros em 2010 para 112 mil milhões de euros em 2023. E que despesa estamos a fazer? Estão os serviços a espelhar o resultado deste acréscimo?
O INE espanhol divulgou estimativas que apontam para uma aposentação de mais de um milhão de trabalhadores do Estado, naquele país, durante a próxima década. É um número assustador. Por cá, as vistas curtas deixam-nos a olhar para o imediato: subir salários ignorando que o Estado e a sua organização devem ser repensados e que a formação de quadros começa hoje. Até porque é mais simpático cavalgar a onda antiexcedente.
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A discussão é feita na lógica do quanto gastar e nunca como recompor a despesa.