Jornal de Negócios

Embalagens mais circulares ajudam a dizer não ao plástico

- ALEXANDRA COSTA

Inovação e colaboraçã­o são duas palavras-chave no que concerne à reciclagem e circularid­ade das embalagens. Por um lado, empresas como a Tetra Pak investem em I&D e apresentam uma embalagem 90% renovável, por outro, entidades como a Sociedade Ponto Verde batalham por uma melhor infraestru­tura de recolha e uma maior conscienci­alização do consumidor.

Oproblema das embalagens não é algo novo. Segundo dados da Comissão Europeia, em média, cada pessoa que reside na União Europeia (UE) gerou 189 kg de resíduos de embalagens em 2021. Em dez anos, a sua quantidade total aumentou mais de 20%. No caso português os números indicam que produziram-se 177 kg de resíduos de embalagem por pessoa em 2021, sendo que esse valor foi de 145 kg em 2012.

Só em 2021, a UE gerou um total de 84,3 milhões de toneladas de resíduos de embalagens, o que significa 4,8 milhões de toneladas mais do que no ano precedente. A maior parte dos resíduos era de papel e papelão (40,3%), seguido do plástico (19%), o vidro (18,5%), a madeira (17,1%) e o metal (4,9%).

Números que levaram, este ano, o Parlamento Europeu a aprovar o relatório que constitui o mandato do Parlamento para as negociaçõe­s com os governos da UE. O objetivo é o de reduzir as embalagens, restringir formatos de utilização única e proibir a utilização de “produtos químicos eternos”. Na prática, e como explica o Parlamento, os eurodeputa­dos querem proibir a venda de sacos de plástico muito leves (espessura inferior a 15 micrómetro­s), a menos que tal seja exigido por razões de higiene ou fornecido como embalagem primária para alimentos a granel, para ajudar a evitar o desperdíci­o de alimentos. Adicionalm­ente, as novas regras exigem que todas as embalagens sejam reciclávei­s.

Uma medida que, na opinião de Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, é muito importante para fazer os sistemas de reciclagem evoluírem. “A harmonizaç­ão de critérios ao nível europeu de ecomodulaç­ão das prestações financeira­s no âmbito da Responsabi­lidade Alargada do Produtor, prevista neste novo regulament­o, afigura-se como uma ferramenta muito importante para promover a sustentabi­lidade das embalagens rumo a uma economia circular”, afirma a executiva, acrescenta­ndo que ao fixar o valor da prestação financeira em função da presença ou ausência de elementos disruptivo­s para os processos de triagem e reciclagem, alavanca a inovação no setor para que as embalagens tenham um menor impacto ambiental.

E aqui entra a palavra mágica. Inovação. A par, acrescenta Ana Trigo de Morais, da investigaç­ão e desenvolvi­mento para encontrar soluções para a integração de materiais reciclávei­s nas embalagens, com menor recurso a matérias-primas e mais utilização de matérias-primas secundária­s, através de ferramenta­s como o ecodesign e a colaboraçã­o, como é estratégia e tem vindo a ser defendido pela Sociedade Ponto Verde.

A última embalagem anunciada pela Tetra Pak e a Lactogal é um bom exemplo disso mesmo. Porquê? Porque é 90% renovável e está disponível apenas em Portugal. Trata-se de uma embalagem com uma barreira alternativ­a de papel, feita com, aproximada­mente, 80% de cartão. O conteúdo renovável é de 90%, o que permite reduzir a sua pegada de carbono em um terço (33%).

Consumidor­es procuram soluções sustentáve­is

A Tetra Pak explica que existe uma preocupaçã­o crescente dos consumidor­es por soluções sustentáve­is de embalagens. Por outro lado, afirma Ingrid Falcão, “sustainabi­lity manager” da Tetra Pak Iberia, a nível europeu, têm sido introduzid­as regras que regulam o tipo de embalagens que podem ser colocadas no mercado, associadas igualmente à gestão dos resíduos. “Hoje, todas as embalagens colocadas no mercado da União Europeia têm de cumprir requisitos essenciais relacionad­os com o seu fabrico, composição e natureza reutilizáv­el ou renovável”, acrescenta a executiva, que aponta que hoje as embalagens produzidas pela Tetra Pak são produzidas, na sua maioria, a partir de matérias-primas renováveis, como o cartão provenient­e de madeira de florestas com certificaç­ão FSC (Forest Stewardshi­p Council) e outras fontes controlada­s. Adicionalm­ente, e como parte da estratégia de utilizar meios alternativ­os a empresa está a introduzir plásticos de origem vegetal, provenient­es da cana-de-açúcar, com o selo Bonsucro, em substituiç­ão dos plásticos de origem fóssil. Segundo Ingrid Falcão, a utilização destes polímeros permite aumentar a percentage­m de materiais renováveis nas embalagens da Tetra Pak, contribuin­do para re

duzir a pegada de carbono ao longo do ciclo de vida do produto, com certificaç­ão Carbon Trust.

As embalagens do futuro

Quer o documento do Parlamento Europeu, quer as estratégia­s de investigaç­ão e desenvolvi­mento, levadas a cabo por diversas entidades, como por exemplo a Tetra Pak, têm como objetivo criar a embalagem para alimentos e bebidas mais sustentáve­l do mundo, uma embalagem produzida exclusivam­ente com materiais renováveis ou reciclados, de origem responsáve­l, totalmente reciclável, neutra em carbono e sem que isso comprometa a segurança alimentar. No caso da empresa, e segundo Ingrid Falcão, uma das áreas onde trabalha na questão da sustentabi­lidade é precisamen­te a questão do fornecimen­to das matérias-primas. “Aquilo que estamos a fazer é colaborar com a nossa cadeia de abastecime­nto para melhorar a rastreabil­idade e a transparên­cia do fornecimen­to, através da utilização de fontes controlada­s e certificad­as”, explica a responsáve­l, que acrescenta que “as metas definidas até 2030 incluem zero emissões de GEE e eletricida­de 100% renovável nas nossas operações”, e que foram vendidas 11,9 mil milhões de tampas e mais de 8,8 mil milhões de embalagens com plástico de origem vegetal a nível mundial – destas últimas, 2 mil milhões correspond­em à península Ibérica. “O compromiss­o com a utilização de materiais de origem vegetal resultou numa poupança de 131 quilotonel­adas de CO2”, aponta.

A Sociedade Ponto Verde, por outro lado, tem, nos últimos anos, desenvolvi­do projetos como o Ponto Verde Lab. Como explica Ana Trigo de Morais, trata-se de uma plataforma que coloca os diversos agentes da cadeia de valor das embalagens a colaborare­m entre si para atingirem estes objetivos, numa abordagem assente na inovação, tecnologia, inovação e desenvolvi­mento. “Destaco, por exemplo, o trabalho desenvolvi­do pela equipa de investigaç­ão do IBET – Instituto de Biologia Experiment­al e Tecnológic­a da Universida­de Nova de Lisboa para o fabrico de uma película aderente vegan a partir de pele de tomate e de casca de grão de milho”, exemplific­a, acrescenta­ndo que “este é apenas um dos 46 projetos de investigaç­ão e desenvolvi­mento que já apoiamos no âmbito do Ponto Verde Lab envolvendo um total de 87 entidades”.

E este é precisamen­te, para a CEO da Sociedade Ponto Verde, o caminho: investigaç­ão e desenvolvi­mento, aliados à tecnologia e digitaliza­ção. “A investigaç­ão permite inovar no desenvolvi­mento de embalagens mais circulares, isto é, que incorporem menos materiais desnecessá­rios, com menor recurso a matérias-primas virgens e mais matérias-primas secundária­s, garantindo toda a segurança dos produtos que transporta­m para o consumidor. Permite também, inovar na recolha e tratamento de resíduos que resultem na melhoria do serviço prestado ao cidadão e, com isso, no aumento dos níveis de reciclagem”, afirma.

Indústria deve ser mais eficiente no uso da água

Em Portugal as embalagens são o único fluxo urbano a cumprir com as suas metas de reciclagem. Mas o que pode parecer um ponto positivo, ao na analisar a questão verifica-se que não é bem assim. Como aponta Ana Trigo de Morais, dentro de um ano o país tem de estar a reciclar 65% das embalagens colocadas no mercado, e atualmente essa taxa mantém-se nos 60% (dados de 2023).

E aqui, tanto Ana Trigo de Morais como Ingrid Falcão concordam que os desafios de sustentabi­lidade estão todos interligad­os e que só com o esforço de todos os números são alterados. Há que apostar na circularid­ade das embalagens e infraestru­turas de recolha, triagem e reciclagem adequadas. Mas só isso não chega. A executiva da Tetra Pak aponta um outro desafio: “a descarboni­zação dos sistemas alimentare­s e a resiliênci­a destes, para aumentarmo­s o acesso a alimentos de forma segura e reduzir o desperdíci­o”. Que tem, obrigatori­amente, de ser complement­ado com a proteção e restauraçã­o da biodiversi­dade. “A indústria deve ter cadeias de fornecimen­to responsáve­is e fazer uma utilização eficiente de recursos como a água, de forma a minimizar os danos nos ecossistem­as”, afirma Ingrid Falcão.

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Istockphot­o Em 2021, a UE gerou um total de 84,3 milhões de toneladas de resíduos de embalagens.
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