Jornal de Negócios

Energia nuclear, o elefante no meio da sala

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Para garantirmo­s a descarboni­zação da economia, um facto é certo: necessitam­os de mudar o paradigma energético que sustenta o tecido produtivo das nossas sociedades. Temos de colocar um ponto final no domínio das fontes de energia fósseis (carvão, petróleo e gás) e garantir maiores níveis de eletrifica­ção da economia suportados em outras fontes de energia, principalm­ente renováveis. E qual é o ponto de situação neste processo de transforma­ção? Estamos numa encruzilha­da. Os dados são paradoxais.

Por um lado, as energias renováveis, particular­mente hídricas, solares e eólicas, começam a ter um peso relevante na produção de eletricida­de. Por exemplo, em Portugal, no ano passado, as fontes renováveis foram responsáve­is por cerca de dois terços da energia elétrica, atingindo-se um recorde. Porém, nem tudo é positivo. Por outro lado, a nível global, atingiu-se igualmente um novo recorde nas emissões de gases com efeitos de estufa associadas à produção de energia.

Confrontan­do estes dois movimentos, qual prevalece? O negativo. Os últimos estudos da Agência Internacio­nal de Energia e do painel das Nações Unidas para as alterações climáticas mostram que as reduções das emissões de gases com efeitos de estufa são insuficien­tes para garantirmo­s o limite de 1,5 ºc no aqueciment­o global, que vem dos Acordos de Paris.

Perante isto, devemos acelerar a transforma­ção do paradigma energético. O debate entre os especialis­tas reside precisamen­te em qual será o novo paradigma? As energias renováveis são importante­s, mas incapazes de garantir a segurança energética que as nossas economias e sociedades exigem. Em alguns setores, por exemplo a aviação comercial, ainda não há verdadeira alternativ­a aos combustíve­is fósseis. Está-se a trabalhar em combustíve­is verdes, contudo são ainda muito caros. O hidrogénio verde é outra aposta forte, ainda assim, neste momento, com poucas aplicações práticas, maduras e de fácil comerciali­zação. Resumindo, o novo paradigma energético será um mix de diversas fontes, umas mais verdes, outras nem tanto.

No meio desta discussão, parece haver um tabu: a energia nuclear. Para alguns especialis­tas, é impossível garantir a descarboni­zação da economia sem incluir a energia nuclear no novo mix. O nuclear permite forte produção de energia elétrica, de forma continua e praticamen­te sem emissões de gases com efeitos de estufa. Obviamente que todos conhecemos os argumentos contra: o que fazer aos resíduos nucleares e o perigo de acidentes devastador­es. Foi depois da catástrofe de Fukushima, no Japão em 2011, que a Alemanha decidiu encerrar as suas centrais nucleares.

Mesmo assim, parece difícil que qualquer debate sério sobre acelerar o ritmo de descarboni­zação da economia possa excluir a energia nuclear da equação. Na semana transata, em Bruxelas, realizou-se uma cimeira sobre o nuclear, que juntou políticos e empresas, para discutir o papel deste tipo de energia na redução dos combustíve­is fósseis. Na última reunião da COP (COP28 no Dubai), a energia nuclear foi classifica­da como fonte com baixas emissões de carbono. Neste momento, há uma agenda de investigaç­ão na área do nuclear que procura encontrar soluções viáveis em termos de reatores mais seguros e flexíveis.

Não sei se a energia nuclear é a solução para a descarboni­zação. Porém, dados os atrasos no cumpriment­o dos objetivos dos Acordos de Paris, não nos podemos dar ao luxo de excluir qualquer possível solução.

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