Um lobo em pele de cordeiro
Já o disse, também por aqui, que fui um dos que gostei do discurso do secretário-geral do PS na noite eleitoral. Pedro Nuno Santos assumiu que os socialistas perderam, teve um sentido de honra e dignidade, que são raros na hora da derrota, e anunciou que ia liderar a oposição. E, depois, remeteu-se ao silêncio e deixou que outros no PS falassem por ele. Não sem antes mostrar-se disponível para fazer parte dos estados gerais da esquerda derrotada – aquela ideia peregrina da líder bloquista Mariana Mortágua – num tema que, no que aos socialistas diz respeito, parece que desapareceu da agenda mediática. O BE já se reuniu com o PAN, o Livre e o PCP, mas, da parte do PS, há um silêncio estranho e total sobre esta matéria.
Na ida a Belém e nas declarações que foram depois proferidas, na semana passada, Pedro Nuno Santos quis deixar claro alguns pontos. Que passam por reforçar o papel do PS na oposição, encetar negociações com a AD para que se possa, eventualmente, aprovar um Orçamento Retificativo com o beneplácito do PS, desde que este sirva para aumentar professores, polícias, médicos e oficiais de justiça. E decidir o aeroporto. Tudo até ao verão.
Eu não sei o que pensa o estado-maior da AD sobre esta proposta socialista, mas eu, no seu lugar, desconfiaria de tanto e repentino sentido de Estado.
O que podemos ter por garantido, do PS e dos seus principais responsáveis, é que, seguramente, não existiram mudanças na forma de pensar. Os socialistas continuam a achar ser quase um direito divino governarem o país e serem donos da vontade popular. E esse sentimento não muda de um dia para o outro. Pior, agrava-se, quando, numas eleições perdem por pouco e veem o Chega a assumir uma importância que nem nunca António Costa ou Augusto Santos Silva – principais impulsionadores do partido de André Ventura nos últimos anos – sequer sonharam.
Pedro Nuno Santos bem pode, até, estar a ser genuíno nas suas intenções. Mas as declarações que ouvimos de outros socialistas mostram bem que há aqui uma espécie de um sentimento revanchista que está latente e que será aproveitado numa primeira oportunidade.
Eu acho que há uma razão para Pedro Nuno Santos estar com toda esta generosidade. Apoiar um Orçamento Retificativo para acomodar as principais reivindicações de alguns grupos cumpre a intenção do Governo da AD, mas faz sentido também numa estratégia eleitoral futura do PS. Até já estou a ouvir o discurso numa próxima campanha: “vejam que este Governo precisou de nós para vos dar as condições que merecem”.
A cereja no topo do bolo deste altruísmo passa também por apostar numa suposta ingenuidade do PSD que, acreditando que tem o apoio do PS agora, pode vir a tê-lo também na aprovação do próximo Orçamento do Estado. O que, convenhamos, podia ser um (mau) caminho a seguir: o PSD colava-se ao PS (aliás, ficava refém) e na primeira oportunidade os socialistas deixariam cair este frágil Governo. Na altura, bem que a AD podia virar-se para o Chega para procurar apoios para uma continuidade governativa, que estes seguramente não viriam. E teríamos a queda do Governo já em outubro, com o PS a sonhar com um prematuro regresso ao poder.
Há ainda outro risco, enorme, em tudo isto. Apesar da generosidade dos números divulgados, o PSD pode chegar ao Governo e perceber que as cativações de Medina foram uma enorme falácia e, afinal, este Retificativo é mesmo necessário porque não há dinheiro. Ou não o há nas quantidades e na abundância que nos fizeram fazer crer.
Se o Orçamento Retificativo for mesmo necessário, a AD deverá recorrer ao PS, mas também ao Chega e a todos os que queiram, genuinamente, colocar os interesses de Portugal em primeiro lugar. E para isso não deverá aprovar agora, no Retificativo, todas as exigências dos vários setores, como exige o PS para garantir o seu apoio, mas apenas algumas, e com o compromisso (escrito, se tiver de ser) que todas estas medidas serão saldadas no Orçamento de outubro. Dessa forma, compromete e agarra não só o PS, mas o Chega a esse entendimento.
Se assim for, quero ver o PS ou o Chega chumbarem um OE que reponha o tempo de serviço dos professores ou que melhore as condições dos polícias. Ou a arranjarem desculpas para não o fazerem.
■
Se o Orçamento Retificativo for mesmo necessário, a AD deverá recorrer ao PS, mas também ao Chega e a todos os que queiram, genuinamente, colocar os interesses de Portugal em primeiro lugar.
Coluna semanal à quarta-feira