Jornal de Negócios

Um lobo em pele de cordeiro

- FRANCISCO MOTA FERREIRA Consultor e autor de livros sobre Investimen­tos e Imobiliári­o. francisco.mota.ferreira@gmail.com

Já o disse, também por aqui, que fui um dos que gostei do discurso do secretário-geral do PS na noite eleitoral. Pedro Nuno Santos assumiu que os socialista­s perderam, teve um sentido de honra e dignidade, que são raros na hora da derrota, e anunciou que ia liderar a oposição. E, depois, remeteu-se ao silêncio e deixou que outros no PS falassem por ele. Não sem antes mostrar-se disponível para fazer parte dos estados gerais da esquerda derrotada – aquela ideia peregrina da líder bloquista Mariana Mortágua – num tema que, no que aos socialista­s diz respeito, parece que desaparece­u da agenda mediática. O BE já se reuniu com o PAN, o Livre e o PCP, mas, da parte do PS, há um silêncio estranho e total sobre esta matéria.

Na ida a Belém e nas declaraçõe­s que foram depois proferidas, na semana passada, Pedro Nuno Santos quis deixar claro alguns pontos. Que passam por reforçar o papel do PS na oposição, encetar negociaçõe­s com a AD para que se possa, eventualme­nte, aprovar um Orçamento Retificati­vo com o beneplácit­o do PS, desde que este sirva para aumentar professore­s, polícias, médicos e oficiais de justiça. E decidir o aeroporto. Tudo até ao verão.

Eu não sei o que pensa o estado-maior da AD sobre esta proposta socialista, mas eu, no seu lugar, desconfiar­ia de tanto e repentino sentido de Estado.

O que podemos ter por garantido, do PS e dos seus principais responsáve­is, é que, segurament­e, não existiram mudanças na forma de pensar. Os socialista­s continuam a achar ser quase um direito divino governarem o país e serem donos da vontade popular. E esse sentimento não muda de um dia para o outro. Pior, agrava-se, quando, numas eleições perdem por pouco e veem o Chega a assumir uma importânci­a que nem nunca António Costa ou Augusto Santos Silva – principais impulsiona­dores do partido de André Ventura nos últimos anos – sequer sonharam.

Pedro Nuno Santos bem pode, até, estar a ser genuíno nas suas intenções. Mas as declaraçõe­s que ouvimos de outros socialista­s mostram bem que há aqui uma espécie de um sentimento revanchist­a que está latente e que será aproveitad­o numa primeira oportunida­de.

Eu acho que há uma razão para Pedro Nuno Santos estar com toda esta generosida­de. Apoiar um Orçamento Retificati­vo para acomodar as principais reivindica­ções de alguns grupos cumpre a intenção do Governo da AD, mas faz sentido também numa estratégia eleitoral futura do PS. Até já estou a ouvir o discurso numa próxima campanha: “vejam que este Governo precisou de nós para vos dar as condições que merecem”.

A cereja no topo do bolo deste altruísmo passa também por apostar numa suposta ingenuidad­e do PSD que, acreditand­o que tem o apoio do PS agora, pode vir a tê-lo também na aprovação do próximo Orçamento do Estado. O que, convenhamo­s, podia ser um (mau) caminho a seguir: o PSD colava-se ao PS (aliás, ficava refém) e na primeira oportunida­de os socialista­s deixariam cair este frágil Governo. Na altura, bem que a AD podia virar-se para o Chega para procurar apoios para uma continuida­de governativ­a, que estes segurament­e não viriam. E teríamos a queda do Governo já em outubro, com o PS a sonhar com um prematuro regresso ao poder.

Há ainda outro risco, enorme, em tudo isto. Apesar da generosida­de dos números divulgados, o PSD pode chegar ao Governo e perceber que as cativações de Medina foram uma enorme falácia e, afinal, este Retificati­vo é mesmo necessário porque não há dinheiro. Ou não o há nas quantidade­s e na abundância que nos fizeram fazer crer.

Se o Orçamento Retificati­vo for mesmo necessário, a AD deverá recorrer ao PS, mas também ao Chega e a todos os que queiram, genuinamen­te, colocar os interesses de Portugal em primeiro lugar. E para isso não deverá aprovar agora, no Retificati­vo, todas as exigências dos vários setores, como exige o PS para garantir o seu apoio, mas apenas algumas, e com o compromiss­o (escrito, se tiver de ser) que todas estas medidas serão saldadas no Orçamento de outubro. Dessa forma, compromete e agarra não só o PS, mas o Chega a esse entendimen­to.

Se assim for, quero ver o PS ou o Chega chumbarem um OE que reponha o tempo de serviço dos professore­s ou que melhore as condições dos polícias. Ou a arranjarem desculpas para não o fazerem.

Se o Orçamento Retificati­vo for mesmo necessário, a AD deverá recorrer ao PS, mas também ao Chega e a todos os que queiram, genuinamen­te, colocar os interesses de Portugal em primeiro lugar.

Coluna semanal à quarta-feira

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