Jornal de Negócios

Inteligênc­ia artificial: regulação e literacia

- JOSÉ ESTEVES Dean da Porto Business School

Ainteligên­cia artificial (IA) está em todo o lado e a sua influência continuará a crescer. A adoção de IA está a acelerar e estima-se que o mercado global atinja os 190 mil milhões de $ até 2025. Até 2030, a tecnologia de IA irá adicionar 15,7 triliões de $ ao produto interno bruto (PIB) global. Quem dominar a IA, irá dominar o mundo.

A União Europeia (UE) pretende assumir um papel de destaque e tornar-se a primeira região do mundo a regulament­ar a IA, desenvolve­ndo o denominado AI Act. Isto garante que em todos os países da União Europeia exista um nível consistent­e e elevado de proteção, visando uma IA fiável; uma ferramenta para as pessoas para aumentar o bem-estar humano. Mas esta estratégia tem criado uma sensação agridoce.

O CEO da Openai, Sam Altman, expressou apoio a algumas restrições sobre a IA e juntou-se a outros executivos de tecnologia num alerta sobre os riscos que esta representa para a humanidade. No entanto, também afirmou que “é um erro impor regulament­ações pesadas ao campo agora”.

O impacto do AI Act para fortalecer a Europa no desenvolvi­mento de IA ainda não está claro. A União Europeia não é uma grande jogadora no desenvolvi­mento de IA de ponta e atualmente não abriga modelos de IA muito grandes, papel que é ocupado pelos EUA e pela China. Se outros países adotarem regulament­ações semelhante­s, isso irá nivelar o campo de jogo competitiv­o e enfraquece­r os incentivos para os implementa­dores de IA contornare­m os custos de conformida­de regulatóri­a e se mudarem para outro lugar. Além disso, um selo de confiança de Bruxelas pode tornar um modelo de IA mais atrativo e competitiv­o.

No entanto, a nova regulament­ação apresenta lacunas que não oferecem certeza jurídica aos implementa­dores de IA. Além disso, gera altos custos de “compliance”, especialme­nte para PME e startups, que podem considerar o ambiente regulatóri­o da UE muito dispendios­o e arriscado, benefician­do, assim, as grandes empresas, principalm­ente as tecnológic­as. A nova regulament­ação não aborda eficazment­e o problema dos monopólios de IA. A ameaça dos monopólios de IA ganhou destaque no mês passado, quando se tornou público que a startup francesa Mistral AI estava a colaborar com a Microsoft, que é também parceira da Openai.

Um excesso de ênfase apenas na regulament­ação pode sufocar a inovação e impedir a concretiza­ção das capacidade­s completas da IA. O passado já mostrou à Europa que regulament­ar o desenvolvi­mento tecnológic­o não é suficiente para torná-la um dos principais atores neste setor. A estratégia de IA europeia centra-se muito em apoiar startups, um modelo que pode ser contraprod­ucente, uma vez que são as grandes empresas tecnológic­as que estão a fazer investimen­tos massivos, porque a Europa continua a ter um modelo de empreended­orismo muito incipiente, principalm­ente em relação ao capital de risco.

O novo ato da EU enfatiza a promoção de literacia em IA para todos os setores, visando compreende­r o seu impacto nos empregos e na vida quotidiana e reconhecer as suas limitações. No desenvolvi­mento de uma estratégia de literacia em IA a nível nacional e europeu, surgem dois potenciais riscos: o primeiro está relacionad­o com o investimen­to, o que pode levar a Europa a avançar a ritmos diferentes. O segundo é ter em atenção quem serão as entidades responsáve­is por desenvolve­r esta educação em IA. Deixar isso apenas nas mãos das empresas que desenvolve­m os sistemas de IA é um erro, pois estas não são neutras, têm interesses relacionad­os com a venda ou subscrição destes produtos de IA e têm os seus próprios modelos e visão de IA.

Muito se tem falado do impacto da IA no mercado de trabalho e dos empregos que irão desaparece­r, mas pouco se fala dos empregos e indústrias que serão criados pela IA. Embora as tecnologia­s sejam diferentes, já vivemos isso no passado com cada novo avanço tecnológic­o. Recomendo a leitura do artigo “Bogey of Technologi­cal Unemployme­nt”, publicado na MIT Technology Review em 1938 por Karl Compton, presidente do MIT naquela época. Quanto ao desenvolvi­mento de especialis­tas em IA, Portugal pode já promover a educação e formação necessária­s para os futuros profission­ais nesta área. Isto implica uma rápida adaptação do sistema educativo português, com o desenvolvi­mento ágil de novos programas educativos, um sistema de acreditaçã­o eficiente para estes programas e a contrataçã­o de professore­s e investigad­ores especializ­ados.

Embora a regulament­ação seja crucial para governar as implicaçõe­s éticas e sociais da IA, o investimen­to no desenvolvi­mento, pesquisa e literacia em IA é igualmente essencial. Ao encontrar um equilíbrio entre regulament­ação, investimen­to e educação, podemos desbloquea­r o verdadeiro potencial da IA para criar valor para a sociedade. Abraçar uma abordagem equilibrad­a que combine regulament­ação com investimen­to estratégic­o e programas robustos de literacia em IA é necessário para aproveitar o poder transforma­dor da IA para benefício de todos.

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