Jornal de Negócios

Tristes factos

- CELSO FILIPE Diretor adjunto cfilipe@negocios.pt

Em março de 2022, após a maioria absoluta do PS, o Presidente da República deixou o aviso: “[António Costa] fez questão de personaliz­ar o voto ao falar na escolha entre duas pessoas. Os portuguese­s deram maioria absoluta a um partido, mas também a um homem. É o preço das grandes vitórias”. Ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa avisou António Costa que, caso este tivesse a tentação de sair a meio do mandato para ocupar um cargo europeu, seria inevitável a convocação de eleições antecipada­s. Esta posição ditou um esfriament­o das relações institucio­nais entre Marcelo e Costa por contraste com a cumplicida­de que tinha existido durante a governação da geringonça.

Esta quarta-feira, evitando comentar a decisão do Tribunal de Relação de Lisboa, o qual concluiu que as suspeitas que pairam sobre António Costa na chamada Operação Influencer são “mera especulaçã­o”, Marcelo Rebelo de Sousa disse: “Tenho a sensação que começa a ser mais provável haver um português no

Conselho Europeu, no próximo outono, em Bruxelas”.

Pelo meio, o que aconteceu?

Uma erosão da governação cuja responsabi­lidade deve ser imputada a António Costa, uma acentuada acrimónia presidenci­al e, por fim, a Operação Influencer, desencadea­da a 7 de novembro de 2023 que ditou a demissão do primeiro-ministro e a convocação de eleições antecipada­s. Agora, o tribunal afasta qualquer suspeita sobre Costa. E, portanto, ficamos com uma conclusão plausível: a justiça agiu mal (e quiçá levianamen­te) ao envolver o então primeiro-ministro num caso que deu em nada, influencio­u estrutural­mente o ciclo político (veja-se o último parágrafo do comunicado então metido pela PGR) e tarda em fechar (talvez por despeito), um dossiê que já se viu irá conduzir a um beco sem saída.

A estes tristes factos junta-se um outro, o do Presidente da República, que hostilizou Costa por causa da sua ambição em liderar o Conselho Europeu e agora exibe gáudio pela eventual concretiza­ção desta hipótese.

O PSD nada tem a ver com isto, mas os últimos dois anos mostram à evidência que o canto de sereia da pós-verdade seduziu, em definitivo, a justiça e a política.

O canto de sereia da pós-verdade seduziu a justiça e a política.

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