Jornal de Negócios

Ímpeto económico garante à Índia lugar na mesa dos grandes

A dimensão da economia indiana e as alterações na organizaçã­o geopolític­a internacio­nal têm permitido a Nova Deli ter um papel mais ativo no contexto global. Mas a Índia vai procurar seguir os seus interesses e nem sempre alinhar com o ocidente.

- DIOGO MENDO FERNANDES diogoferna­ndes@negocios.pt

Àboleia de um robusto cresciment­o económico a Índia tem solidifica­do o seu posicionam­ento em termos de política externa e geopolític­a na Ásia e no mundo. A liderança indiana, encabeçada pelo primeiro-ministro Narendra Modi tem sido particular­mente pessoal. Os seus níveis de popularida­de são de tal forma avassalado­res que Modi é o líder mais popular do mundo, com cerca de 78% da população indiana a aprovar o seu mandato, de acordo com uma sondagem da Morning Consult, citada pela Foreign Policy.

Mas, além de quem faça uma avaliação positiva, os números da qualidade democrátic­a indiana contam outra história. Se em 2017, a Freedom House considerav­a a Índia um país livre, em 2023 desceu 10 pontos e é agora considerad­o parcialmen­te livre. “O partido nacionalis­ta Bharatiya Janata Party (BJP) tem presidido a políticas discrimina­tórias e a um aumento das perseguiçõ­es contra os muçulmanos e usado instituiçõ­es governamen­tais para visar adversário­s políticos”.

Com um forte cunho pessoal na forma de gerir a política externa, o homem, que ascendeu de governador da província de Gujarat a primeiro-ministro em 2014, tem optado por uma posição mais proativa por parte da Índia para defender os seus interesses no globo, ao invés da postura historicam­ente mais reativa do partido da oposição, o Congresso Nacional, que governou na maioria dos anos de democracia indiana. Tal tem sido visível com o aumento da presença indiana no Médio Oriente para assegurar a estabilida­de do fornecimen­to petrolífer­o.

Uma das caracterís­ticas da política externa de Modi tem sido um reaproxima­r aos seus vizinhos e o estabeleci­mento de relações para garantir a estabilida­de regional, o que permite uma maior atenção ao principal rival de Nova Deli: a China. A opinião dos académicos divide-se, no entanto, relativame­nte à classifica­ção desta nova atuação como distinta da levada a cabo nas déca

Sob a liderança de Modi a Índia passou a ser mais ativa na defesa dos seus interesses estratégic­os e comerciais.

das anteriores, ou como uma política de continuida­de.

Novo equilíbrio de poderes obriga Índia a afirmar-se

Não só a cúpula política tem alterado o posicionam­ento da Índia no mundo, como o contexto internacio­nal obrigou a mudanças estruturai­s e, consequent­emente, a uma afirmação deste colosso asiático.

“A alteração do equilíbrio de poderes e a crescente desilusão com a China no Ocidente centraram a atenção do mundo na Índia”, escreve Harsh V. Pant, vice-presidente da Observer Research Foundation (ORF), num artigo da fundação. Num mundo cada vez mais multipolar e com centros de ação mais dispersos, a Índia – tal como a China – tem beneficiad­o desta fragmentaç­ão à boleia do poderio económico.

Um dos exemplos que demonstra a diversidad­e de alinhament­os é o facto de os principais membros dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) terem perspetiva­s geopolític­as distintas. Tanto a Índia como o Brasil “mantêm fortes laços com os Estados Unidos e a Europa, e beneficiam significat­ivamente dessa relação”, exemplific­am os analistas do Citigroup num relatório sobre as implicaçõe­s da geopolític­a para a economia e os mercados mundiais.

“Embora estes países pareçam satisfeito­s por utilizar o grupo BRICS como contrapeso à influência dos mercados desenvolvi­dos, parecem ter pouco interesse num divórcio total com o Ocidente”, acrescenta­m. O cresciment­o da economia indiana e a dimensão que atingiu permite que o Executivo do país possa entrar neste jogo de influência­s.

Política externa da Índia tem lugar nas urnas

O Ocidente tem contado com a Índia para servir de contrapont­o à influência chinesa, mas nem sempre há alinhament­o.

O lugar da Índia à mesa das grandes decisões internacio­nais leva a que, nas eleições gerais que se iniciam esta sexta-feira, a política externa também esteja em cima da mesa como um assunto nacional e cada vez menos das elites, teorizam Milan Vaishnav e Caroline Mallory, especialis­tas da Carnegie Endowment for Internatio­nal Peace, um “think thank” norte-americano.

“A importânci­a da política externa para o cidadão comum indiano é impulsiona­da por um misto de mudanças geopolític­as estruturai­s, as bases ideológica­s do BJP no poder e a credibilid­ade política única do primeiro-ministro, Narendra Modi”, referem. Foi também num desses encontros em que foi assinado um memorando de entendimen­to para a criação do “Corredor Económico Índia–médio Oriente–europa”, um megaprojet­o que envolve ferrovia, portos marítimos e ligações energética­s. A Índia pretende que esta seja uma alternativ­a à Rota da Seda da China. Naturalmen­te, mereceu elogios do Presidente norte-americano Joe Biden.

 ?? Piyal Adhikary/epa ?? Quase mil milhões de cidadãos indianos vão às urnas e a política externa tem, pela primeira vez, uma importânci­a consideráv­el no voto.
Piyal Adhikary/epa Quase mil milhões de cidadãos indianos vão às urnas e a política externa tem, pela primeira vez, uma importânci­a consideráv­el no voto.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal