O Banco de Portugal regista perdas, mas isso é pouco relevante
Por causa de um artigo do Jornal de Negócios, um indicador que pouco tem dado que falar entrou no discurso político: o resultado operacional, que decorre principalmente das operações de política monetária. À parte da “surpresa” – que não deveria ter acontecido porque já era esperado – porque é que é importante falarmos sobre um tema que tem estado escondido na sua modesta posição de indicador financeiro de um banco central? E qual é a importância?
Para começar, é preciso ir ao princípio. Ao objetivo de um banco central que se distingue de um banco comercial. Se no último caso, o propósito é dar lucro, no primeiro é a estabilidade dos preços, ou seja, o controlo da inflação. Por isso, o lucro – e respetiva remuneração do acionista (Estado) – deixa de ser uma prioridade. O mandato é rei e senhor na condução da política monetária.
Claro que, sendo uma instituição pública, os bancos centrais “têm de gerir os seus recursos de forma prudente”, como refere o Banco de Espanha num recente artigo sobre balanços dos bancos centrais. Mas também têm regras contabilísticas que diferem dos bancos comerciais pela sua natureza única do mandato. Por exemplo, os ganhos e perdas são tratados de forma assimétrica no balanço. E são constituídas reservas e provisões para alturas mais complicadas, como a atual. Estas provisões e reservas vão sendo usadas à medida das perdas para que no final o resultado seja nulo.
O efeito mais imediato, pelo menos para a perceção pública, passa pela não distribuição de dividendos ao Estado – e que nos últimos anos têm dado um importante contributo para a melhoria do saldo orçamental. Entre 2014 e 2022, o BDP entregou quase 4 mil milhões de dividendos.
De onde vêm as perdas?
Como referido, o principal objetivo dos bancos centrais não é a maximização do lucro, mas sim a estabilidade os preços – no caso da Reserva Federal (Fed) também passa pelo emprego. Mas quando é preciso atuar, a principal ferramenta das autoridades monetárias é a subida das taxas de juro, arrefecendo a economia. A procura recua e, por sua vez, os preços também, ainda que o ritmo possa ser diferente.
Tal como aconteceu no seguimento da grande crise financeira, também na pandemia da covid-19, os bancos centrais tiveram de deitar mão a outros instrumentos “não convencionais” de política monetária através da aquisição de gigantescas quantidades de dívida pública e privada que aumentaram o balanço para valores mastodônticos. Uma vez que há riscos – de crédito, quando há “default” de um dos emitentes, e de mercado, devido a flutuações dos ativos em carteira –, os bancos centrais têm de constituir as tais reservas e provisões.
Em todo o caso, para perceber o que está em causa, vamos focar-nos no risco de mercado que, genericamente, está relacionado com as taxas de juro.
Quando as taxas de juro aumentam – como aconteceu em 2022 e de forma muito rápida – os custos para os bancos centrais também sobem, uma vez que a remuneração dos ativos no balanço também acompanha, nomeadamente os depósitos dos bancos comerciais. Por isso, temos lucros recorde na banca comercial porque há um “gap” entre os juros pagos aos clientes e a remuneração do Banco Central Europeu (que paga à taxa diretora em vigor, neste caso, 4,5%) do dinheiro parqueado em Frankfurt. Daí o lucro recorde dos bancos comerciais.
Porque não é preocupante?
Tal como sobem, as taxas acabarão por descer. E à medida que o excesso de liquidez injetado no sistema diminuiu, também a remuneração das reservas adquiridas a taxas elevadas desce, reduzindo a despesa com juros.
Além disso, os bancos centrais, ao contrário das comuns empresas do mercado, não correm o risco de ficarem insolventes, uma vez que compensam as perdas com a criação de moeda, onde se incluem as reservas.
Ou seja, os bancos centrais podem entrar em perdas sem colocar em causa o mandato da estabilidade de preços. De lembrar que o principal objetivo das autoridades monetárias não é a maximização do lucro e a remuneração do acionista, mas diz a manutenção de um nível adequado de preços e a independência face ao poder político.
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