Jornal de Negócios

Governo quer rever regras laborais das plataforma­s digitais em concertaçã­o

Ministra do Trabalho, Rosário Palma Ramalho, abriu a porta à revisão da lei que facilita contratos de trabalho a estafetas das plataforma­s digitais. Fê-lo na sua primeira intervençã­o pública, num debate pedido pelo BE.

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É um dos temas mais relevantes na discussão a nível europeu e em Portugal está legislado há um ano. As últimas alterações ao Código do Trabalho introduzir­am regras específica­s para um tribunal avaliar se um estafeta ou motorista que trabalha a recibos verdes para uma plataforma digital (como a Uber, a Bolt ou a Glovo) deve ou não passar a ter um contrato de trabalho dependente. Na sua primeira intervençã­o pública, num debate pedido pelo Bloco de Esquerda (BE), a ministra do Trabalho, Rosário Palma Ramalho, abriu à porta à revisão destas novas regras (o artigo 12.º-a), remeteu alterações para o que ficar decidido em concertaçã­o social.

Consideran­do que as mudanças produzidas desde 2015 procuraram “reconduzir tudo a uma relação de trabalho tipo fabril que não existe há muito tempo” e que o tema das plataforma­s é disso “demonstrat­ivo”, a nova ministra assumiu no Parlamento que quando o Governo “revistar” a chamada “agenda do trabalho digno” em concertaçã­o social “a presunção de laboralida­de dos trabalhado­res das plataforma­s será objeto de atenção”.

Se “vamos acabar com a presunção de laboralida­de do artigo 12.º-a? Depende daquilo que os parceiros quiserem”, disse a ministra, em resposta ao deputado do PS Tiago Barbosa Ribeiro. O artigo em causa é o que adapta os indícios a verificar pelo tribunal às caracterís­ticas específica­s da atividade dos estafetas e motoristas, que são diferentes das do clássico trabalho independen­te, tendo a ministra sugerido por vezes que o anterior artigo (12.º) possa ser suficiente.

Referindo por diversas vezes que o novo Governo “não tem qualquer filosofia persecutór­ia em relação às plataforma­s”, Rosário Palma Ramalho anunciou que o Executivo vai olhar para este problema “por um novo prisma”, entendendo que é “igualmente legítimo” prestar este tipo de trabalho de forma subordinad­a, autónoma ou com dependênci­a económica.

No final, sintetizou as razões que justificam a “reflexão” sobre a nova presunção: porque “não foi objeto de debate na concertaçã­o social”, por onde as medidas passaram e saíram sem acordo (e com a oposição dos patrões); porque “foi prematura” na medida que partiu de projeto de diretiva que entretanto evoluiu e porque é uma norma “tecnicamen­te muito confusa”.

A posição da nova ministra foi recebida de forma crítica por José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda (BE), o partido que pediu o debate e que de manhã ouviu os testemunho­s de estafetas e motoristas. “A nossa expectativ­a é que a ministra seja ministra do Trabalho. Não ministra das plataforma­s”, afirmou.

As alterações ao Código do Trabalho precisam de uma maioria no Parlamento, não sendo certo, a esta distância, que o PS ou o Chega possam ser os aliados.

Questionad­a pelos jornalista­s no final do debate a responsáve­l não abriu o jogo. “Tendo nós um consenso obtido na concertaçã­o social, cada um assumirá as suas responsabi­lidades”, disse, sem referir ou excluir qualquer partido.

“Se vamos acabar com a presunção de laboralida­de do artigo 12.º-a? Depende daquilo que os parceiros quiserem. ROSÁRIO PALMA RAMALHO Ministra do Trabalho

“A nossa expectativ­a é que a ministra seja ministra do Trabalho. Não ministra das plataforma­s. JOSÉ SOEIRO Deputado do Bloco de Esquerda

Só 14 processos de motoristas nos tribunais

Embora a legislação inclua expressame­nte os motoristas TVDE, esta é também uma atividade regulada por uma outra lei, de 2018, que inclui, mas vai além dos aspetos laborais, obrigando à constituiç­ão de uma empresa (que pode ser do próprio motorista ou um intermediá­rio).

Ao longo do debate, a ministra Rosário Palma Ramalho sublinhou a situação “juridicame­nte diferente” de estafetas e motoristas, consideran­do que no caso destes últimos o vínculo não será com as multinacio­nais, mas antes com os intermediá­rios. Ainda assim, “vamos promover uma ação da ACT especifica­mente dedicada a este grupo”.

“A lei permite a consolidaç­ão do contrato de trabalho com o operador TVDE muito mais facilmente do que com a plataforma”, disse. Recordando que nas inspeções que também decorreram da lei a Autoridade para as Condições do Trabalho levantou “mais de mil autos”, 886 dos quais seguiram para tribunal. “Todavia só levantou 14 autos de notícia em relação a motoristas TVDE dos quais apenas cinco relativos ao artigo 12.º-a”.

Quanto à lei que regula a atividade (de 2018) a intenção do Governo é rever quanto ao acesso e à segurança dos passageiro­s.

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