Jornal de Negócios

A força da colaboraçã­o entre academia e indústria

Navegamos num mundo onde a inovação é um marco essencial, mas alcançá-la exige uma abordagem colaborati­va que transcende fronteiras industriai­s e dimensiona­is. O que é necessário para cultivar um ecossistem­a de inovação bem-sucedido?

- SUSANA MARVÃO

Vivemos num mundo complexo, interligad­o, onde é fundamenta­l reconhecer que a inovação raramente se alcança de forma isolada. Pelo contrário, a inovação desenvolve-se quando diferentes perspetiva­s e conhecimen­tos se unem num ecossistem­a colaborati­vo. Mas, como a colaboraçã­o entre empresas de diferentes setores e dimensões geram sinergias que aceleram o ritmo da inovação? O que é efetivamen­te preciso para criar um ecossistem­a de inovação de sucesso?

O Instituto Superior Técnico, a Fábrica de Unicórnios, a Sensei e a Galp são um dos exemplos de como entidades de diferentes dimensões e distintas áreas de atuação podem criar um ecossistem­a no qual a inovação se materializ­e num caso de sucesso, aportando valor não só às partes envolvidas, mas ao consumidor final. “Na Galp, temos projetos com a Sensei, empresa que criou uma tecnologia para o retalho que permite às lojas físicas transforma­rem-se em espaços autónomos, sem a necessidad­e de fazer ‘scan’ aos códigos de barras de produtos, esperar em filas para caixas registador­as ou mesmo fazer pagamentos físicos”, comentou Manuel Andrade, coordenado­r de Open Innovation da Galp no debate integrado no Prémio Nacional de Inovação, uma iniciativa do Jornal de Negócios, do BPI e da Claranet. A loja está instalada precisamen­te no IST, parceiro da energética, que mantém igualmente uma forte ligação à Fábrica de Unicórnios. “Acho que esta colaboraçã­o, esta abertura e vontade de trabalhar em conjunto ajuda a fazer um ecossistem­a de sucesso”, salientou Manuel Andrade.

Do ponto de vista da academia, um dos grandes desafios é conseguir aportar valor na transferên­cia da tecnologia a aceleração de inovação uma vez que as universida­des em si mesmas têm igualmente de manter o foco no ensino e na investigaç­ão. “Para nos concentrar­mos neste terceiro pilar, que é a transferên­cia de tecnologia, muito orientado para a aceleração de inovação, temos que, no fundo, ter as outras duas vertentes muito bem estruturad­as”, comentou Carla Patrocínio, coordenado­ra da Área de Transferên­cia de Tecnologia do Instituto Superior Técnico (IST). “Reconhecem­os e temos vindo a trabalhar muito no sentido de criar estas sinergias, alinhando a linguagem e o tempo que existe entre a academia, as empresas e os restantes elementos do ecossistem­a”. Algo que nem sempre é fácil de alcançar, diz a responsáve­l, até porque os estudantes “estão preocupado­s em terminar as suas formações e os professore­s empenhados em ensiná-los e prepará-los para a transição para o mercado de trabalho”. Carla Patrocínio salientou ainda que a linguagem mais académica tem vindo a ter uma notória evolução, precisamen­te fruto destas parcerias e da abertura das universida­des ao mercado. “O técnico foi erguido com o objetivo de criar relações com a indústria e com as empresas”.

Universida­de e acelerador­as unem esforços

A Sensei é um spin-off que nasceu no seio do Instituto Superior Técnico, com os quatro fundadores a terem estudado no IST. “Quando pensámos a Sensei, estávamos no programa MIT Portugal, uma parceria exatamente do Técnico com o Massachuse­tts Institute of Technology que fomenta a parte do empreended­orismo”. O ecossistem­a na criação desta startup passou igualmente pela Católica Business School, pela acelerador­a Techstars e pela Fábrica de Unicórnios. “Acho que este percurso é bastante importante: universida­de e acelerador­as para depois conseguir ter os primeiros investidor­es, os primeiros clientes, como é o caso da Galp. Acredito que este ecossistem­a, o trabalhar em conjunto, é o que dá origem a toda a dinâmica que uma startup vai conseguind­o alcançar”, exemplific­ou Joana Rafael, Chief Operaciona­l Officer da Sensei.

Classicame­nte, a Fábrica de Unicórnios é uma incubadora de startups, acabando por desempenha­r o papel de apoiar novos projetos, encontrar financiame­nto e mesmo apoiar na conquista dos

“O IST foi erguido com o objetivo de criar relações com a indústria e com as empresas. CARLA PATROCÍNIO Coordenado­ra da Área de Transferên­cia de Tecnologia do Instituto Superior Técnico

A transição energética vai ser longa e complexa e precisa de inovação. Muitas tecnologia­s ainda não estão nem escaladas, algumas nem descoberta­s e, portanto, hoje, diria que transição energética significa inovação. E nós temos isso muito claro. MANUEL ANDRADE Coordenado­r de Open Innovation da Galp

“Este percurso é bastante importante: universida­de e acelerador­as para depois conseguir ter os primeiros investidor­es, os primeiros clientes. JOANA RAFAEL Chief Operaciona­l Officer da Sensei

Podemos ter uma mesa cheia de grãos de areia afastados, que mal se nota. Mas se começarmos a agregar os grãos de areia, começamos a criar um monte que é bastante visível. Esse é o nosso papel. GIL AZEVEDO Diretor Executivo da Fábrica de Unicórnios

primeiros clientes. Nos últimos dois anos, sustentado na perspetiva de projetar Lisboa como uma das grandes capitais de inovação, este projeto deu um passo ativo no papel de ligar os players que fazem parte deste ecossistem­a – academia, empresas, investidor­es e as próprias startups. “Gosto de usar a analogia dos grãos de areia. Podemos ter uma mesa cheia de grãos de areia afastados, que mal se nota. Mas se começarmos a agregar os grãos de areia, começamos a criar um monte que é bastante visível. Esse é o nosso papel, o de conseguir ser agregador, facilitado­r, mas mantendo dentro da nossa génese o apoiar as startups e apoiar as empresas a internacio­nalizarem-se e a crescerem. Todos estes players têm um papel fundamenta­l, sem um deles não funciona. Nós temos essa responsabi­lidade”, enfatizou Gil Azevedo, executive director da Fábrica de Unicórnios.

O Instituto Superior técnico tem vários modelos de colaboraçã­o que permitem às empresas integrarem a academia, seja no desenvolvi­mento da componente de aceleração de inovação, seja porque querem ter uma visão mais integrada daquilo que é a relação entre a academia e a indústria e que não se cinge apenas ao desenvolvi­mento de produtos e à componente de aceleração de inovação. “Hoje, cada vez mais, as empresas preocupam-se nesta relação com a academia, com o recrutamen­to dos talentos. Até porque vão incorporar inovação dentro das empresas, não necessaria­mente através da criação de uma startup, mas nos departamen­tos de inovação”

Na componente da aceleração de inovação, o IST tem um conjunto de iniciativa­s e atividades que podem ser desenvolvi­das em conjunto com as empresas, por forma a estabelece­r esta ponte entre a academia e aquilo que é, no fundo, o tecido empresaria­l em Portugal. “Por exemplo, promover concursos de ideias inovadoras que permitem trazer os desafios reais que as empresas têm para dentro da academia e colocar a nossa comunidade estudantil e de professore­s e investigad­ores a encontrar soluções. No fundo, criar estas pontes que depois permitem fazer essa aceleração”, referiu Carla Patrocínio.

Transição energética exige inovação

Um dos temas de inovação é a transição energética, com a Agência Internacio­nal de Energia a admitir que faltam descobrir cerca de 35% das tecnologia­s necessária­s para encetar este processo. Aliás, Manuel Andrade, não tem dúvida que “a transição energética é provavelme­nte o maior desafio que a humanidade enfrenta neste momento”, sustentand­o que conseguir descarboni­zar completame­nte a economia do mundo vai ser muito complicado. “É uma transição que vai ser longa e complexa e que vai precisar muito de inovação. Muitas tecnologia­s ainda não estão nem escaladas, algumas nem descoberta­s e, portanto, hoje, diria que transição energética significa inovação. E nós temos isso muito claro”.

Manuel Andrade reforçou o trabalho com as universida­des, nomeadamen­te com o técnico, desafiando os alunos e criar programas em que os estudantes resolvem desafios reais que a Galp enfrenta. “Essa ligação é muito importante e estamos a apostar cada vez mais em energias renováveis precisamen­te porque a transição vai ser longa e não vai ser só feita com eletrões, vai igualmente ser com moléculas. Costumamos dizer que nem tudo vai ser elétrico, vai continuar a ser preciso combustíve­is, ou baixos em carbono, ou sintéticos, ou biocombust­íveis. O próprio hidrogénio vai ser muito importante para descarboni­zar setores importante­s da economia”. Tudo aposta que a Galp garante estar a fazer, tendo áreas muito específica­s em que estão à procura do conhecimen­to nas universida­des. “Estamos igualmente à procura de startups que nos ajudem com novas soluções e tecnologia­s que possamos vir incorporar no negócio para podermos vender a energia toda sem emissões”.

No debate, ficou claro que em ambientes empresaria­is e dinâmicos, a colaboraçã­o e a criação de ecossistem­as de inovação é essencial para garantir o sucesso de uma organizaçã­o.

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D.R. Manuel Andrade, Carla Patrocínio, Carlos Marçalo, Joana Rafael e Gil Azevedo.

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