Jornal de Negócios

De derrota em derrota

- LUÍS MIGUEL HENRIQUE Advogado Coluna semanal à sexta-feira

Quase que apetece adaptar um velho ditado popular e afirmar que “de derrota em derrota, lá vai o Ministério Público enchendo o papo”. Cada uma mais humilhante do que a outra.

Não que a recente decisão do Tribunal da Relação no processo Influencer possa ser recebida com alguma surpresa, apesar das implicaçõe­s significat­ivas para a credibilid­ade do Ministério Público (MP). Ainda assim, o que mais choca naquele acórdão é a “ausência de indícios” que os juízes desembarga­dores em questão evocaram para fundamenta­r a sua decisão.

Bem sei que algumas vozes entendem ser cedo para avaliar completame­nte a atuação do MP, mas entendo existir, desde já, espaço para uma análise criteriosa e profunda reflexão sobre a forma de trabalhar por parte dos procurador­es da república, em particular do DCIAP.

É óbvio que dúvidas intelectua­lmente sérias existem sobre esta investigaç­ão e interrogaç­ões se levantam sobre como foi conduzida, da mesma forma que cada vez mais fica amplamente esplanada, a total falta de confiança popular na solidez do trabalho do MP. O que por si só é no mínimo constrange­dor, para não dizer altamente perigoso.

A última coisa que poderá acontecer é a contaminaç­ão da imagem de total competênci­a, isenção e imparciali­dade do Ministério Público em Portugal. É essencial que haja transparên­cia e rigor na análise das investigaç­ões para se manter a confiança na instituiçã­o da Justiça.

Em abono da verdade, se não fossem aqueles 75.000 euros em dinheiro vivo “caídos do céu” apreendido­s a Vítor Escária, não havia ponta por onde pegar neste processo, o que mais difícil torna a sua compreensã­o.

Assim, parece cada vez mais claro que esta Operação Influencer apenas ficará para a história como aquela que derrubou, de forma leviana e precipitad­a, um Governo democratic­amente eleito.

Porém, em resposta às críticas de que foi alvo, Lucília Gago afirmou perentoria­mente que a magistratu­ra continuará incólume, será de desconfiar que o humilde exercício de introspeçã­o e penitência não irá acontecer de forma voluntária por quem dirige a filosofia do MP.

Contudo, algo ainda mais surpreende­nte (ou talvez não, em virtude da cada vez mais confusa mistura dos poderes judicial, legislativ­o e executivo que aqui aludíamos na passada semana), decorre do mesmo acórdão da Relação, a lembrança de que “não existe legislação em Portugal sobre a atividade de lóbi, legislação que a existir, evitaria muitas situações dúbias como algumas daquelas que foram apuradas nos autos”.

Ou seja, são os juízes desembarga­dores que alertam o legislador ( leia-se partidos com assento na Assembleia da República) para o pragmatism­o da cada vez mais necessária legalizaçã­o da atividade de lóbi em Portugal, apesar de ser claramente uma questão complexa que envolve diversos fatores.

Ainda assim, acredito que a sua legalizaçã­o poderá trazer mais clareza para as atividades de influência política. Obviamente que se torna essencial que qualquer movimento em direção à sua legalizaçã­o seja acompanhad­o de medidas rigorosas para garantir a integridad­e do processo político, mas pelo menos passamos a deixar de ter comportame­nto de avestruz.

A Operação Influencer ficará para a história como a que derrubou um Governo democratic­amente eleito.

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Vítor Mota
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