Jornal de Negócios

Que Abril celebramos hoje?

- FRANCISCO MOTA FERREIRA Consultor e autor de livros sobre Investimen­tos e Imobiliári­o francisco.mota.ferreira@gmail.com

Tendo em conta o calendário, seria mais ou menos incontorná­vel que esta semana falasse de Abril, das suas conquistas, mas também das suas derrotas, para percebermo­s que Portugal afinal temos, 50 anos depois daquele dia inicial inteiro e limpo, nas palavras imemoriais de Sophia.

Sendo de direita, e assumindo sem complexos a minha posição político-ideológica, não abdico do meu direito de celebrar a revolução. E digo-o, taxativame­nte, porque, revendo-me em abril, nunca senti a necessidad­e de reclamar o seu património como sendo apenas meu, do meu campo político ou das pessoas que pensam como eu.

Opinião diferente, como sabemos, tem a esquerda, que sempre entendeu abril apenas como a revolução que fez cair a ditadura e limitou, muito, as suas conquistas às vitórias da esquerda sobre a direita. É esta esquerda que enche a boca a falar de abril, mas esquece-se do novembro, aquele outro 25, que, não existindo sem o primeiro, colocou Portugal no caminho da democracia plena e afastado dos totalitari­smos de esquerda. A mesma sorte, não tiveram, infelizmen­te, como sabemos, os países africanos que conquistar­am à pressa a sua independên­cia com abril, tendo sido deixados à sua sorte, envolvidos em guerras civis, banhos de sangue e experiênci­as de modelo socialista que de democrátic­as nem sequer os nomes tinham.

Hoje, cinquenta anos passados, há (e haverá sempre) motivos para celebrar abril. Mas há (e haverá sempre) motivos para o melhorar. Porque, se a democracia, a liberdade e a tolerância são, talvez, as maiores conquistas obtidas, primeiro com abril e depois com novembro, o facto é que, cinco décadas depois, Portugal parece que caminha a passos largos para abdicar de tudo aquilo que conquistou com abril e com novembro.

O país está dividido entre esquerda e direita como nunca esteve, as discussões e os argumentos trocados entre cada um dos lados da barricada estão cada vez menos tolerantes. E, se dúvidas houvesse, bastava ver o que Portugal se tornou desde 2015, quando, através de uma batota eleitoral, embora constituci­onalmente possível, a extrema-esquerda deu a mão ao PS, que “roubou” o Governo a quem tinha ganho as eleições.

Hoje a situação política degradou-se. Somos “nós” contra “eles”, o “bem” contra o “mal”, a “virtude” contra a “indecência”… E as pontes que sustiveram o regime, nomeadamen­te aquelas que permitiram afastar sempre os extremos da órbita do poder, foram todas queimadas e teme-se que, dificilmen­te, sejam recuperada­s.

Aqui chegados, PS e PSD estão, cada um à sua medida, presos no seu próprio labirinto.

O PS perdeu o centro e a noção histórica da sua origem, radicalizo­u-se e tem hoje mais afinidade com o Bloco de Esquerda, o PCP e o Livre – onde quer que estejam e se puderem ver o que se passa, Mário Soares e Almeida Santos devem lembrar-se das lutas no verão quente de 1975 e do que fizeram para impedir o domínio da extrema-esquerda em Portugal e estão certamente a dar voltas no túmulo.

Depois do Governo de Pedro Passos Coelho e da clarificaç­ão ideológica necessária após a confusão havida com a direção de Rui Rio – um caminho que, a manter-se, podia ter comprometi­do à séria a sua própria sobrevivên­cia – o PSD tenta agora apanhar os cacos possíveis. Um partido que se vê chamado ao poder após anos de ausência, acantonado à sua esquerda e à sua direita por partidos que tentam ameaçar a sua existência ou condiciona­r a sua governação.

Os últimos acontecime­ntos mostraram bem o que os socialista­s sentem. E, na primeira oportunida­de, tudo farão para regressar ao poder. Sem contemplaç­ões.

Volto ao início do texto. É tempo de celebrarmo­s Abril. E, quando alguns ainda continuam a acreditar que a revolução tem dono, uma pessoa que vota à direita como eu não deixa de ter um gosto especial em ver um governo da minha área política a liderar as celebraçõe­s dos 50 anos. Seja este marco o início de um novo caminho. Porque Abril é (ou deveria ser) para todos.

Cinco décadas depois, Portugal parece que caminha a passos largos para abdicar de tudo aquilo que conquistou com abril e com novembro.

Coluna semanal à quarta-feira

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