Que Abril celebramos hoje?
Tendo em conta o calendário, seria mais ou menos incontornável que esta semana falasse de Abril, das suas conquistas, mas também das suas derrotas, para percebermos que Portugal afinal temos, 50 anos depois daquele dia inicial inteiro e limpo, nas palavras imemoriais de Sophia.
Sendo de direita, e assumindo sem complexos a minha posição político-ideológica, não abdico do meu direito de celebrar a revolução. E digo-o, taxativamente, porque, revendo-me em abril, nunca senti a necessidade de reclamar o seu património como sendo apenas meu, do meu campo político ou das pessoas que pensam como eu.
Opinião diferente, como sabemos, tem a esquerda, que sempre entendeu abril apenas como a revolução que fez cair a ditadura e limitou, muito, as suas conquistas às vitórias da esquerda sobre a direita. É esta esquerda que enche a boca a falar de abril, mas esquece-se do novembro, aquele outro 25, que, não existindo sem o primeiro, colocou Portugal no caminho da democracia plena e afastado dos totalitarismos de esquerda. A mesma sorte, não tiveram, infelizmente, como sabemos, os países africanos que conquistaram à pressa a sua independência com abril, tendo sido deixados à sua sorte, envolvidos em guerras civis, banhos de sangue e experiências de modelo socialista que de democráticas nem sequer os nomes tinham.
Hoje, cinquenta anos passados, há (e haverá sempre) motivos para celebrar abril. Mas há (e haverá sempre) motivos para o melhorar. Porque, se a democracia, a liberdade e a tolerância são, talvez, as maiores conquistas obtidas, primeiro com abril e depois com novembro, o facto é que, cinco décadas depois, Portugal parece que caminha a passos largos para abdicar de tudo aquilo que conquistou com abril e com novembro.
O país está dividido entre esquerda e direita como nunca esteve, as discussões e os argumentos trocados entre cada um dos lados da barricada estão cada vez menos tolerantes. E, se dúvidas houvesse, bastava ver o que Portugal se tornou desde 2015, quando, através de uma batota eleitoral, embora constitucionalmente possível, a extrema-esquerda deu a mão ao PS, que “roubou” o Governo a quem tinha ganho as eleições.
Hoje a situação política degradou-se. Somos “nós” contra “eles”, o “bem” contra o “mal”, a “virtude” contra a “indecência”… E as pontes que sustiveram o regime, nomeadamente aquelas que permitiram afastar sempre os extremos da órbita do poder, foram todas queimadas e teme-se que, dificilmente, sejam recuperadas.
Aqui chegados, PS e PSD estão, cada um à sua medida, presos no seu próprio labirinto.
O PS perdeu o centro e a noção histórica da sua origem, radicalizou-se e tem hoje mais afinidade com o Bloco de Esquerda, o PCP e o Livre – onde quer que estejam e se puderem ver o que se passa, Mário Soares e Almeida Santos devem lembrar-se das lutas no verão quente de 1975 e do que fizeram para impedir o domínio da extrema-esquerda em Portugal e estão certamente a dar voltas no túmulo.
Depois do Governo de Pedro Passos Coelho e da clarificação ideológica necessária após a confusão havida com a direção de Rui Rio – um caminho que, a manter-se, podia ter comprometido à séria a sua própria sobrevivência – o PSD tenta agora apanhar os cacos possíveis. Um partido que se vê chamado ao poder após anos de ausência, acantonado à sua esquerda e à sua direita por partidos que tentam ameaçar a sua existência ou condicionar a sua governação.
Os últimos acontecimentos mostraram bem o que os socialistas sentem. E, na primeira oportunidade, tudo farão para regressar ao poder. Sem contemplações.
Volto ao início do texto. É tempo de celebrarmos Abril. E, quando alguns ainda continuam a acreditar que a revolução tem dono, uma pessoa que vota à direita como eu não deixa de ter um gosto especial em ver um governo da minha área política a liderar as celebrações dos 50 anos. Seja este marco o início de um novo caminho. Porque Abril é (ou deveria ser) para todos.
■
Cinco décadas depois, Portugal parece que caminha a passos largos para abdicar de tudo aquilo que conquistou com abril e com novembro.
Coluna semanal à quarta-feira