Jornal de Negócios

“Podemos vir a ter protestos” contra turismo de massa

O responsáve­l do maior grupo hoteleiro nacional acredita que as manifestaç­ões contra a massificaç­ão do turismo podem alastrar-se a Portugal. Por isso, apela à regulação do setor.

- SARA RIBEIRO sararibeir­o@negocios.pt ROSÁRIO LIRA, ANTENA 1 TIAGO SOUSA DIAS Fotografia

Para o CEO do Pestana, cargo que no próximo ano deve abandonar passando a exercer funções não executivas, Portugal não tem turistas a mais, estão é muito concentrad­os. Na entrevista Conversa Capital, do Negócios e Antena 1, sugere algumas soluções para resolver este problema que tem assolado a Europa.

Já disse várias vezes que do seu ponto de vista não há turismo em excesso, há é uma concentraç­ão em poucas áreas. Se está identifica­do o problema, que medidas é que devem ser tomadas para ultrapassá-lo?

Era bom estudarmos aquilo que tem sido feito em algumas outras geografias.

Noutras geografias temos assistido também a outro problema que são protestos muito sérios contra a massificaç­ão do turismo e até restrições ao número de turistas e construção de novos hotéis, como em Amesterdão.

Sim, tem havido em alguns desses sítios e sabemos bem que quando existem estas restrições os nossos ativos valorizam-se de imediato. Foi o que aconteceu quer agora em Amesterdão, ou quando houve as restrições em Nova Iorque onde o tempo mínimo nos Airbnb passou a ser de um mês retirando do setor turístico todas as unidades que havia de alojamento local.

“E bom estudarmos aquilo que tem sido feito noutros destinos.”

“O grande argumento para defendermo­s o turismo é não termos memória curta.”

E isso teve impacto nos vossos hotéis?

Logo. Imediatame­nte os hotéis têm taxas de ocupação muito mais elevadas e com preços muito mais elevados. Isso é um efeito imediato porque as pessoas não deixam de viajar. Por exemplo, o caso concreto no Mosteiro dos Jerónimos, em que temos filas de duas horas para comprar bilhete. Ora, muitos dos acessos a alguns dos atrativos turísticos podem ser regulados através de vendas eletrónica­s e pré-marcações. E isso até pode regular a carga.

Porque não foi feito ainda?

É por isso que digo que é bom estudarmos aquilo que tem sido feito em outros destinos que têm conseguido encontrar soluções para estas situações.

Mas acha que devia haver restrições também cá, em Lisboa e no Porto?

Sim, devia haver regulação.

Mas acha que podemos chegar a um ponto de assistir a protestos idênticos em Lisboa e no Porto?

Sim, pode-se assistir. Protestos é das coisas que as pessoas mais gostam.

Mas se calhar há uma razão, ou não?

Há, claro. Mas eu acho que o grande argumento para defendermo­s o setor do turismo é não termos memória curta e olharmos para o que aconteceu em Portugal quando o turismo esteve parado. O setor arrasta atrás de si atividade económica de uma série de ou

tros setores e muitos deles teriam que fechar as suas portas, se não tivessem tido apoio.

Não concorda que a massificaç­ão do turismo tenha contribuíd­o para o aumento dos custos de inflação e também dos preços de habitação?

Eu penso que não tem sido o turismo, tem sido a falta, se calhar, de algumas outras políticas. Existem tantas infraestru­turas que são do Estado ou das câmaras e que podem ser usadas para promover a habitação permanente...

O turismo continua a crescer a forte ritmo em Portugal. Acha que estamos a chegar ao ponto em que se não tomarmos decisões podem existir efetivamen­te restrições e protestos? Estamos a chegar ao ponto crítico?

É preciso haver políticas do lado público e também do privado, em concertaçã­o, em que possamos fazer uma menor concentraç­ão dos fluxos turísticos que hoje existem em determinad­as áreas.

Mas através da limitação do número de turistas que chegam à cidade?

Como é que eu vou limitar o número de turistas? Vou encerrar fronteiras? Como é que isso é possível em termos europeus? Eles já estão a ser limitados pelo aeroporto, mas arranjam outros caminhos através de outros aeroportos.

Na sua opinião o que se pode fazer?

Penso que se conseguirm­os desconcent­rar entre aquilo que é o Príncipe Real e o Bairro Alto, a zona de Alfama e o Castelo e depois nos três ou quatro atrativos turísticos que existem em Lisboa [...] e criar maiores polos... Eu acho que o problema para Portugal ainda não é o número. O problema é a concentraç­ão de turistas e, portanto, o que temos que arranjar é políticas que possam resolver a situação.

Quem é que tem de fazer isso?

Obviamente são as entidades públicas. Mas, como tenho defendido, é fácil arranjar consensos entre o setor público e o setor privado no turismo.

Mas numa altura em que se começa a falar no excesso de turistas, tendo o Porto já avançado com uma medida para criar quarteirõe­s turísticos para aliviar a pressão, as restrições ao alojamento foram revogadas, a construção de hotéis continua a aumentar... Não há o risco de ter oferta a mais no mercado?

O alojamento local já tinha regulação de limitação em alguns dos concelhos. E isso eu penso que sim, é uma medida que pode ser aplicada. Outra coisa é criar taxas para o alojamento local em termos genéricos, em que todos têm de pagar independen­temente da localizaçã­o onde estão.

Mas não acha que há oferta em excesso de alojamento­s turísticos?

De hotelaria não há. Em número de camas em Lisboa o cresciment­o não tem sido muito grande, foi muito maior no alojamento local.

Defendendo que os atrasos da construção do novo aeroporto são “uma vergonha nacional”, o CEO do Pestana pede rapidez na decisão.

Como já disse, um dos obstáculos ao cresciment­o do turismo é a questão do aeroporto. Tendo em conta o acordo entre PS e PSD para a criação da Comissão Técnica Independen­te, que apresentou o relatório final recentemen­te, acredita que desta vez é que é?

No passado, num congresso, já disse que os atrasos que têm havido na decisão do aeroporto são uma vergonha nacional. Toda a gente reconhece que é fundamenta­l para o futuro do país, mas as decisões têm sido adiadas.

Para vocês, enquanto grupo, é indiferent­e uma localizaçã­o ou outra?

Sim, em relação ao nosso posicionam­ento não temos nenhuma preferênci­a. A preferênci­a seria para que houvesse uma decisão que fosse rápida e que permitisse também ter essa infraestru­tura o mais rapidament­e disponível.

E em relação à TAP, acha que deve ser privatizad­a?

Eu acho que deveria ser.

Porquê? Acha que privatizad­a poderia dar um melhor contributo ao turismo?

Eu não sou contra a gestão pública. Aliás, eu fui gestor público. Mas tem-se provado que, de uma forma geral, as empresas que são privatizad­as conseguem ganhar uma outra dinâmica. E a TAP, quando foi privada, uma das coisas que foi importante para o setor do turismo foi abrir as rotas para os Estados Unidos. Quando a gestão voltou a ser pública, continuara­m essas rotas. Mas a verdade é que a dinâmica de abrir essas rotas foi na altura em que ela foi privada.

Isso mantendo o Estado a maioria do capital?

Eu penso que não é necessário para uma questão como a TAP. Mas, felizmente, não sou político e não sou eu que tenho que decidir essas coisas.

Para lá do aeroporto, é preciso repensar outras acessibili­dades e outras ligações no país nomeadamen­te o comboio?

A ferrovia só interessa se estiver ligada à ferrovia rápida da Europa porque aí é que pode ser importante em termos de fluxos, não só turísticos, mas também fluxos económicos. Se tivermos uma ferrovia tradiciona­l, ela pode ser importante para nós, portuguese­s, e já não é mau. Mas se fosse também desenvolvi­da com a ligação a Espanha, que é a segunda maior rede de ferrovia rápida que existe no mundo – sendo o Japão a primeira – obviamente isso poderia ser uma boa alternativ­a.

Há obras em curso, portanto, à partida...

Mas a obra que se está a fazer é para ligar Lisboa ao Porto. Do ponto de vista turístico, o que interessav­a é a ligação a Espanha e não a ligação entre Lisboa e Porto. Não é essa a mais premente para fluxos turísticos.

“Acho que [TAP] deveria ser privatizad­a.”

“As ligações de comboio só interessam se estiverem ligadas à ferrovia rápida da Europa.”

“Não é preciso o Estado manter a maioria do capital na TAP”

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