Postal para mais abril
Duvido se terão rolado no mundo anos mais utópicos do que os dos finais da década de 60 do passado século. A Rússia de cinquenta anos antes poderá reclamar esse galardão, todavia esteve longe do clima mundial dessa loucura da segunda metade do século. E todavia, sem qualquer narcisismo patrioteiro, creio que nenhuma revolução foi tão pura (ou tão ingénua) como a do 25 de Abril. A ideia do nosso “socialismo original”, traduzida em poesia e música, agarrou pelos fundilhos a juventude lusa ( bem como não poucos idosos em recuperação de anos perdidos) e galvanizou a geração filha do Maio de 68 parisiense pressentindo que finalmente se concretizava ali a almejada transformação radical.
O 25 de Abril foi a festa onírica do grafito que captou o espírito dominante no tempo: Queremos tudo!, enlevados nos mais doces e utópicos sonhos de um homem e de um mundo novos. A tal nos conduzia a ignorância das ciências sociais — éramos “humanistas” inocentes — e sobretudo ignorantes da visceral biologia, ainda hoje tão desdenhada pelos cientistas sociais, considerando — ingenuamente de novo — tudo ser “cultura”, isto é, acreditando que os seres humanos podem mudar o que lhes aprouver, se a tal se dispuserem.
O que aconteceu, porém, nos anos subsequentes, malgrado acontecimentos grandiosos, tem sido um regresso ao mais-do-mesmo animal trôpego e bruto do passado. Tudo voltou à mesmidade, só que agora mais perigosa porque a tecnologia aumentou exponencialmente as capacidades de destruição outrora inexistentes. Hoje, até a ideia de progresso é posta em causa visto ser um ideal da modernidade tornado utopia obsoleta. Os seus críticos esquecem-se que foi a ideia de modernidade que nos permitiu aqui chegarmos. O que eles não podem perder de vista é que os ideais dela têm de se harmonizar entre si; não podemos exagerar na prossecução de um valor em detrimento dos outros. De momento, todavia, não se nos divisa qualquer alternativa para a modernidade e, por isso, será erro crasso descurarmo-la, se quisermos que o 25 de abril continue a ser sinónimo de primavera.
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