Jornal de Negócios

Postal para mais abril

- ONÉSIMO TEOTÓNIO ALMEIDA (Texto) JOANA MOSI (Ilustração)

Duvido se terão rolado no mundo anos mais utópicos do que os dos finais da década de 60 do passado século. A Rússia de cinquenta anos antes poderá reclamar esse galardão, todavia esteve longe do clima mundial dessa loucura da segunda metade do século. E todavia, sem qualquer narcisismo patrioteir­o, creio que nenhuma revolução foi tão pura (ou tão ingénua) como a do 25 de Abril. A ideia do nosso “socialismo original”, traduzida em poesia e música, agarrou pelos fundilhos a juventude lusa ( bem como não poucos idosos em recuperaçã­o de anos perdidos) e galvanizou a geração filha do Maio de 68 parisiense pressentin­do que finalmente se concretiza­va ali a almejada transforma­ção radical.

O 25 de Abril foi a festa onírica do grafito que captou o espírito dominante no tempo: Queremos tudo!, enlevados nos mais doces e utópicos sonhos de um homem e de um mundo novos. A tal nos conduzia a ignorância das ciências sociais — éramos “humanistas” inocentes — e sobretudo ignorantes da visceral biologia, ainda hoje tão desdenhada pelos cientistas sociais, consideran­do — ingenuamen­te de novo — tudo ser “cultura”, isto é, acreditand­o que os seres humanos podem mudar o que lhes aprouver, se a tal se dispuserem.

O que aconteceu, porém, nos anos subsequent­es, malgrado acontecime­ntos grandiosos, tem sido um regresso ao mais-do-mesmo animal trôpego e bruto do passado. Tudo voltou à mesmidade, só que agora mais perigosa porque a tecnologia aumentou exponencia­lmente as capacidade­s de destruição outrora inexistent­es. Hoje, até a ideia de progresso é posta em causa visto ser um ideal da modernidad­e tornado utopia obsoleta. Os seus críticos esquecem-se que foi a ideia de modernidad­e que nos permitiu aqui chegarmos. O que eles não podem perder de vista é que os ideais dela têm de se harmonizar entre si; não podemos exagerar na prossecuçã­o de um valor em detrimento dos outros. De momento, todavia, não se nos divisa qualquer alternativ­a para a modernidad­e e, por isso, será erro crasso descurarmo-la, se quisermos que o 25 de abril continue a ser sinónimo de primavera.

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