As utopias
As utopias são as únicas imagens colocadas lá em cima e lá à frente que fazem o animal humano andar à velocidade rápida com que o mamífero comum persegue os bens básicos como a comidinha o abrigo a casa a água aquilo que protege do frio e do clima meio torto que por vezes ameaça vindo de cima ou com um tremor que vem do solo e ameaça dos pés fazer dança e tremor involuntário e sim se o humano quer muito o básico e a cada dia o exige ele quer também aquilo que ainda não existe e a verdade é que mesmo depois de todas as invenções técnicas o humano ainda tem vontade de se levantar e caminhar e se necessário fazer uma revolução por dia mesmo que pequenina no seu próprio quintal e nas suas mais diretas 24 horas e se tem essa necessidade de praticar utopias como se pratica pesos no ginásios é porque no cérebro ou nesse DNA ainda enigmático do humano está para lá alojada uma área ou uma molécula ou uma célula o que quer que seja algo material no fundo a que damos o vago nome de vontade utópica e que é a base da força que no mundo coloca novos inventos e novas ideias em cima do chão mas em modo de quase levitação e ainda bem porque assim fica a meio caminho entre o devaneio aéreo e a solidez da árvore ou seja os pés bem assentes na terra e a cabeça bem assente nas nuvens como deve ser e se recomenda. Ou seja ainda: o nosso corpo tem fome e frio e sede e quer abrigo, casa, comida, paz, pão, saúde, habitação, liberdade e outras coisas mais simples como oportunidade de ser até ao fim aquilo que quer ser mas tem ainda na reserva orgânica essa vontade utópica que em tempos de comemoração da revolução talvez seja o momento de a tirar para fora como se faz à roupa antiga que parece já não nos caber e sair com ela com essa vontade utópica para o espaço e tempo que diante de nós existe e que de nós exige compromisso político com essa pólis que é sempre obra não terminada e por vezes até obra em processo de degradação lenta que só a utopia de mangas arregaçadas pode de novo reconstituir e melhorar. ■