Jornal de Negócios

As utopias

- GONÇALO M. TAVARES (Texto) ALAIN CORBEL (Ilustração)

As utopias são as únicas imagens colocadas lá em cima e lá à frente que fazem o animal humano andar à velocidade rápida com que o mamífero comum persegue os bens básicos como a comidinha o abrigo a casa a água aquilo que protege do frio e do clima meio torto que por vezes ameaça vindo de cima ou com um tremor que vem do solo e ameaça dos pés fazer dança e tremor involuntár­io e sim se o humano quer muito o básico e a cada dia o exige ele quer também aquilo que ainda não existe e a verdade é que mesmo depois de todas as invenções técnicas o humano ainda tem vontade de se levantar e caminhar e se necessário fazer uma revolução por dia mesmo que pequenina no seu próprio quintal e nas suas mais diretas 24 horas e se tem essa necessidad­e de praticar utopias como se pratica pesos no ginásios é porque no cérebro ou nesse DNA ainda enigmático do humano está para lá alojada uma área ou uma molécula ou uma célula o que quer que seja algo material no fundo a que damos o vago nome de vontade utópica e que é a base da força que no mundo coloca novos inventos e novas ideias em cima do chão mas em modo de quase levitação e ainda bem porque assim fica a meio caminho entre o devaneio aéreo e a solidez da árvore ou seja os pés bem assentes na terra e a cabeça bem assente nas nuvens como deve ser e se recomenda. Ou seja ainda: o nosso corpo tem fome e frio e sede e quer abrigo, casa, comida, paz, pão, saúde, habitação, liberdade e outras coisas mais simples como oportunida­de de ser até ao fim aquilo que quer ser mas tem ainda na reserva orgânica essa vontade utópica que em tempos de comemoraçã­o da revolução talvez seja o momento de a tirar para fora como se faz à roupa antiga que parece já não nos caber e sair com ela com essa vontade utópica para o espaço e tempo que diante de nós existe e que de nós exige compromiss­o político com essa pólis que é sempre obra não terminada e por vezes até obra em processo de degradação lenta que só a utopia de mangas arregaçada­s pode de novo reconstitu­ir e melhorar. ■

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