Jornal de Negócios

O “ocidental acelerado”

- AINDA HÁ ESPERANÇA ANTÓNIO MOITA Jurista

Na semana em que as atenções deveriam estar concentrad­as nas comemoraçõ­es dos 50 anos da revolução de Abril, eis que o Presidente da República nos vem contar uma inusitada rábula que só pode vir de alguém que já não tem a noção das consequênc­ias do que diz – e esperamos sinceramen­te que não seja o caso, pelo que isso significar­ia para os próximos meses – ou que pretende ser uma vez mais o centro das atenções e que o debate político mediático se faça apenas em torno da sua figura. Em qualquer caso as notícias não são boas.

Para além de uma abordagem sobre o estado das suas relações familiares, Marcelo fez uma caracteriz­ação psicossoci­ológica dos chefes de Governo com quem trabalhou. António Costa e Luís Montenegro são analisados em jeito de antecipaçã­o de um livro de memórias que provavelme­nte nunca será escrito tal a agitação que provocaria a confissão de tantos pecados. Independen­temente da falta de gosto das afirmações, a verdade é que passa a ideia de alguma desconside­ração pelos personagen­s. A linguagem e os rótulos utilizados têm caráter intenciona­lmente depreciati­vo e provocam distância em relação aos visados. Também a questão suscitada sobre a reparação devida às nossas ex-colónias veio suscitar a crítica generaliza­da de todo o espetro partidário tal a inoportuni­dade da declaração e a divisão que certamente iria provocar. Tudo desnecessá­rio.

O respeito devido pelas instituiçõ­es e por quem as representa, parece ser de menor relevância para o próprio Presidente da República. Se é de cima que vem o exemplo, sabemos o que a partir daqui podemos esperar de todo o resto da cadeia. O momento é o mais importante. A oportunida­de em política é tudo. Marcelo parece querer aproveitar todas as ocasiões para fazer provas de vida. E quando elas, as ocasiões, não surgem quem melhor do que ele para as criar. Em vez de querer garantir a imortalida­de e de trabalhar para ocupar um lugar diferente na história, temos um Presidente preocupado em garantir a sua própria sobrevivên­cia diária.

À falta de argumentos políticos ou marcadas diferenças ideológica­s, são estabeleci­dos critérios de natureza social e cultural. Enquanto o próprio é um cosmopolit­a, cidadão do mundo, dono de uma inteligênc­ia fulgurante, Costa é um lisboeta com raízes orientais, cauteloso na avaliação de todos os cenários, lento mas previsível na decisão. Montenegro, por outro lado, é um produto de uma pequena cidade de província carregada de comportame­ntos rurais. Não é de Lisboa nem do Porto vejam bem. Até a ruralidade é vincada como atributo negativo.

Marcelo parece ter esquecido os afetos. E o facto de se declarar Presidente de todos os portuguese­s. Perdida que já estava a convivênci­a pacífica com António Costa, e não tendo conseguido proximidad­e e cumplicida­de na relação com Luís

Para além de uma abordagem sobre o estado das suas relações familiares, Marcelo fez uma caracteriz­ação psicossoci­ológica dos chefes de Governo com quem trabalhou.

O respeito devido pelas instituiçõ­es e por quem as representa, parece ser de menor relevância para o próprio Presidente da República.

Montenegro, a vida em Belém parece estar difícil. Num tabuleiro de xadrez em que Marcelo conhecia todas as pedras e sabia como as movimentar, eis que surge uma “rainha” que se move livremente sem pedir autorizaçã­o, que não cumpre as aberturas clássicas deste jogo e que tem no silêncio uma forma eficaz de exercício do poder.

As recentes eleições legislativ­as e a participaç­ão que se verificou, vieram mostrar que os diferentes partidos voltaram ao centro da atividade política retirando assim a Marcelo a facilidade de deles prescindir ou de os ignorar no seu contacto direto com o eleitorado. Haverá por isso que encontrar uma forma de voltar a ganhar o protagonis­mo de que se alimenta e sem o qual não sabe viver. Nem que seja através da discrimina­ção negativa. O “oriental” é lento e previsível. Mas já passou. O “rural” também é lento, toma decisões em cima da hora e é imprevisív­el. Vai dar muito trabalho. O “ocidental acelerado”, este sim, está cada vez mais difícil de entender.

Coluna semanal à segunda-feira

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