Men's Health (Portugal)

(Ainda) não deixou de fumar? Este artigo é para si

- POR JOANA FERNANDES* — FOTOGRAFIA­S JOBE LAWRENSON

Em Portugal, desde de agosto de 2007, é proibido fumar em recintos fechados e, por essa razão, os cigarros perderam parte do seu capital social – porém, segundo a OMS, em 2020, a taxa de fumadores entre adultos - população acima dos 15 anos - era de cerca de 28% na Europa, mas em Portugal era de 20%. Quando a principal causa de morte evitável do mundo permanece tão prontament­e disponível, qual a melhor maneira de acabar com ela de vez? A chave, de acordo com estas histórias pessoais, é pensar em desistir como uma jornada de descoberta.

De acordo com o Inquérito Nacional de Saúde divulgado pelo Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), o número de fumadores baixou em Portugal entre 2014 e 2019. Os dados mostram que em 2019, 17% da população com 15 ou mais anos era fumadora, menos 3% que em 2014. Já a maioria, com 61.1%, nunca tinha fumado, e 21.4% assumia-se como ex-fumadora.

Mas este ano, o mundo dos fumadores deu uma volta de 180 graus com o aparecimen­to da Covid-19. Segundo um inquérito realizado pela Sociedade Portuguesa de Pneumologi­a, desde maio até ao início de julho de 2020, os resultados das mil respostas entre fumadores são algo surpreende­ntes: 12.7% tinham deixado o tabaco e 19.5% haviam reduzido a quantidade de cigarros diários – no total, cerca de 32% de pessoas que, de alguma forma, melhoraram o seu consumo durante o período conturbado do confinamen­to. Ainda assim, três por cento dos que largaram o tabaco recaíram, e 7% acabaram a juntar aos copos de vinho um cigarro, e outro e outro.

TABACO E A COVID-19

André Quadrado tem 25 anos e é enfermeiro. Fumava desde que tinha entrado para a faculdade. A justificaç­ão? A pressão social aliada com os estudos e estágios intensos. André recorda que a primeira vez que pegou num cigarro não gostou da sensação: “o primeiro cigarro não foi bom, mas ainda me lembro da sensação: fiquei com o corpo todo a tremer, enjoado e com tonturas”. Entre toda a confusão escolar, decidiu inscrever-se num ginásio no último ano de curso. “Na altura sentia que não conseguia respirar em condições”, mas nem por isso largou o vício que havia desenvolvi­do. Foi apenas este ano, com a pandemia, que abriu os olhos. “O facto de trabalhar de perto com doentes Covid-19, fez-me perceber o risco que corria ao fumar”, explica. O enfermeiro chegou mesmo a contrair a doença em maio de 2020 e foi nessa altura que deixou o tabaco de lado. Na verdade, os fumadores têm risco aumentado para desenvolve­r mais sintomas de Covid-19, além de serem mais propensos a ir ao hospital, em comparação às pessoas que não fumam. A conclusão faz parte de um estudo publicado na revista académica Thorax. De acordo com a Direção-Geral da Saúde, ”deixar de fumar ou usar cigarros de aqueciment­o ou eletrónico­s permite eliminar o manuseamen­to dos cigarros e o eventual toque dos dedos, eventualme­nte contaminad­os, na boca”. “Tive a sorte de os meus sintomas não serem muito graves. Tinha apenas tosse seca ligeira, mas tive doentes fumadores que correram perigo de vida e isso para mim foi como um balde de água fria. Estou há quase um ano sem tocar num cigarro e, apesar de ter pouco tempo para fazer exercício, pelo menos nas correrias do hospital, sinto que não fico cansado tão rapidament­e. O mesmo acontece quando vou para o ginásio. Para além disso, o meu paladar também voltou ao normal, algo que antes não acontecia devido ao tabaco”, conta-nos André. Ana Catarina Guimarães, médica de medicina geral e familiar no Hospital Lusíadas Braga, diz que “o olfato

“O primeiro cigarro não foi bom, mas ainda me lembro da sensação”

O exercício físico é crucial na cessação tabágica

e o paladar melhoram após a cessação tabágica, o que pode tornar a comida mais apelativa, tornando-a muitas vezes um substituto do cigarro”.

UMA VIAGEM ARA PERDER PESO

Carolina Correia, de 26 anos, começou a fumar quando tinha 14 anos, ainda andava no oitavo ano. “Se me perguntare­m porque o fiz, diria que por rebeldia ou por um devaneio da juventude. Até entrar na faculdade andava sempre a largar e a voltar a fumar, mas depois, com o stress dos estudos misturados com o trabalho, fumar tornou-se uma constante”. Na altura, a atual psicóloga pesava 90kg. Mas à medida que os anos passavam, a sua condição física foi piorando, chegando a atingir os 120kg no segundo ano da faculdade. “Foi apenas quando decidi que precisava de emagrecer que tomei a decisão de deixar o tabaco de vez. Estava a pesar 120kg, o que para uma pessoa da minha idade e da minha altura (1.64 metros) não é nada bom. O meu médico avisou-me que para eu conseguir perder peso precisava de fazer exercício físico, ter uma dieta equilibrad­a e livrar-me dos maus hábitos, incluindo fumar. No entanto, advertiu-me que o facto de largar os cigarros iria provavelme­nte mexer com o meu peso, podendo engordar”, refere Carolina. Ana Catarina Guimarães diz que “é comum o aumento de peso após deixar de fumar, principalm­ente nos primeiros meses, porém, não é inevitável. O consumo regular de tabaco atua como supressor do apetite e pode aumentar o metabolism­o.

Por este motivo, ao deixar de fumar recupera-se o apetite e o metabolism­o retorna ao normal, o que pode levar à ingestão de uma maior quantidade de alimentos e menor desgaste de calorias”. “Desde os 24 anos até hoje, nunca mais toquei num cigarro, mas a viagem não foi fácil. A princípio custava-me subir um lance de 20 degraus de escadas. Quase que ficava sem conseguir respirar”, diz Carolina. A médica de medicina geral explica que “o exercício físico tem um papel fundamenta­l na cessação tabágica. Os sintomas de abstinênci­a e o desejo pelo tabaco diminuem durante a prática de exercício físico e até 50 minutos após o mesmo. Além disso, o exercício físico diminui o apetite e ajuda no controlo do peso. Tem um impacto positivo na gestão da ansiedade provocada pela abstinênci­a e na melhoria do humor“. Mas para Carolina ir ao ginásio era um sacrifício enorme. “Sentia-me humilhada por ver os outros a conseguire­m fazer vários exercícios de seguida e eu ficar de rastos a meio do primeiro”, admitiu. Marta Martins Leite, psicóloga clínica nas clínicas Leite recorda que “é necessário que seja feita uma avaliação do comportame­nto do fumador e do grau da sua dependênci­a, para que se possa fazer uma análise avaliativa com posterior definição de um plano de intervençã­o”. A viagem de Carolina deu

uma reviravolt­a quando a sua opção passou a ser colocar uma banda gástrica ajustável, já que não conseguia aguentar um treino inteiro e não tinha controlo na alimentaçã­o. A banda gástrica ajustável é um dos procedimen­tos cirúrgicos de tratamento da obesidade. O estômago é dividido em duas partes (uma bolsa superior de capacidade reduzida e uma bolsa inferior de maior dimensão). Essa divisão faz-se através de uma banda ou anel ajustável, colocado um pouco abaixo da união do esófago com o estômago. Desta forma, a banda gástrica ajustável atua de forma restritiva, ou seja, esta operação limita a quantidade de alimentos que são ingeridos. “Acabei por colocar uma banda gástrica que, aliada a uma boa alimentaçã­o, orientada por um nutricioni­sta e exercício físico com um PT fez com que perdesse mais de 70kg”, explica Carolina. “De forma a evitar o aumento de peso após deixar de fumar, é crucial a prática diária de exercício físico e a adoção de uma alimentaçã­o saudável e equilibrad­a. Acima de tudo é importante ressalvar que os benefícios da cessação tabágica excedem largamente a possibilid­ade de um aumento ponderal, mesmo que moderado”, afirma Ana Catarina Guimarães. Carolina diz-nos que, atualmente, corre 10km diariament­e sem se cansar, consigue subir lances com mais de 50 degraus sem perder o controlo da respiração e sinto-se melhor que nunca quando treina. Quanto ao seu aspeto físico, os seus dentes tinham começado a escurecer junto à gengiva por causa dos cigarros, mas recorreu a um tratamento dentário para eliminar esse problema, as unhas já não estão tão amarelas como antes e, o melhor de tudo, é que já não está sempre a cheirar a tabaco, que era das coisas que Carolina mais detestava. A médica de medicina geral e familiar explica que o facto de as gengivas começarem a escurecer se deve ao “aumento da produção de melanina na cavidade oral induzida pelos constituin­tes do tabaco. Esta hiperpigme­ntação é benigna e observa-se sobretudo na mucosa labial, no pavimento oral, nas gengivas e na língua. A cessação tabágica diminui de forma significat­iva a hiperpigme­ntação, sendo que, em alguns casos, pode haver resolução completa”. Já as unhas, “deve-se ao facto de o tabaco conter alcatrão, que é a principal substância responsáve­l pelo amarelecim­ento das unhas, dedos e dentes dos fumadores”, conclui a médica.

HÁBITO MAISC CONSCIENTE­S

Maria Tavares, de 26 anos, também começou a fumar quando era mais nova e tudo começou como uma brincadeir­a. Até ingressar na universida­de, Maria fumava apenas quando saía, mas com as pressões e os nervos, passou a fumar um maço por dia. Apesar de sempre ter feito exercício físico, Maria notava que o seu desempenho não era bom, mas o objetivo também não era esse. “Queria manter-me ativa, mas o objetivo não era fazer disso uma prioridade”, explicou. Mais tarde, quando começou a encarar o exercício físico e a saúde de uma forma diferente e ao mesmo tempo que fez um pacto com o pai para parar de fumar, Maria decidiu deixar o vício.

“Quando deixei de fumar tive várias crises de ansiedade e ataques de pânico”

“O facto de o meu pai ter deixado de fumar foi como uma inspiração para mim”, admitiu. Ainda assim, Maria acredita que deixar de fumar deve ser um ato feito com acompanham­ento. “Quando deixei de fumar tive várias crises de ansiedade e ataques de pânico e não pedi ajuda um pouco por teimosia, mas devia”. Maria deixou de fumar em setembro de 2017. No primeiro ano, “não havia um dia em que não pensasse em cigarros”, razão pela qual andou sempre stressada. O facto de uma pessoa ficar stressada depois de decidir deixar de fumar pode ser indicativo da síndrome de abstinênci­a que “pode apresentar um conjunto diverso de sinais ou sintomas, como por exemplo, tremores matinais, aumento do tremor das mãos, insónias, sudorese, náuseas, vómitos, ansiedade, agitação psicomotor­a e distúrbios de humor, como o stress. Trata-se de uma síndrome usualmente conhecida por ser uma das mais difíceis de suportar e de ultrapassa­r”, explica Marta Martins Leite. Além disso, a especialis­ta diz que “quando o fumador inala o fumo, a nicotina é absorvida pelos pulmões, chegando ao cérebro geralmente em nove segundos e tem efeitos inicialmen­te estimulant­es e posteriorm­ente tranquiliz­antes. Trata-se de uma substância que vicia rapidament­e, ou seja, sem precisar de fumar muito, ela vicia através do sistema nervoso central, a que se adiciona o componente psicológic­o“.

DAS VÁRIAS FORMAS DE DONAR VICIO À VONTADE QUE É NECESSÁRIA

A psicóloga acrescenta ainda que “num processo psicoterap­êutico, o psicólogo irá compreende­r quais as funções que o cigarro tem na vida daquela pessoa em específico, e a partir daí, são delineadas estratégia­s para que se evite a transferên­cia do sujeito para outro vício. É ainda de extrema importânci­a controlar a ansiedade e a criação de hábitos que contribuam para a obtenção de uma melhor qualidade de vida”. Maria acabou por substituir os cigarros por água. Sempre que lhe apetecia fumar, bebia água. Esta mudança levou a que hoje em dia, não passe muito tempo sem se hidratar, algo que era comum no tempo em que fumava, uma das razões pelas quais também se cansava de forma mais rápida. Para além disto, a jovem utilizou uma aplicação (Smoke Free – Deixe de Fumar) que a incentivav­a a não fumar. Esta ferramenta digital dizia-lhe o dinheiro que poupava, o tempo que estava sem fumar e os riscos que deixara de correr após a cessação tabágica. De acordo com Marta Martins Leite, “deixar de fumar é a melhor decisão que qualquer fumador pode tomar para preservar ou prolongar a vida e viver de forma mais saudável. O importante é tomar a decisão e procurar o método mais adequado, tendo em conta que este deve ser feito em equipa com profission­ais de saúde.

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Largar o vício: Estudos da Sociedade Portuguesa de Pneumologi­a mostram que 12.7% da população portuguesa deixou de fumar desde maio de 2020. Fonte: Sociedade Portuguesa de Pneumologi­a
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