PORQUE É QUE NOS ALIMENTAMOS DE MITOS?
Nunca as pessoas se interessaram tanto por aquilo que metem no prato, mas nunca a nutrição pareceu tão volátil e a informação passada tão suscetível a erros - sobretudo pelos chamados “nutricionistas de bancada”. E são muitos os motivos pelos quais os mit
OS MITOS ALIMENTARES NÃO SÃO UMA NOVIDADE e a sabedoria popular chega a fazer deles ditados e crenças. Os mitos hoje são outros, mas igualmente comprometedores de uma boa relação com comida e de uma alimentação saudável. Pronto para deitar por terra algumas das teorias atuais, tal como tinha feito em 2016, aquando do lançamento de Os Mitos que Comemos [Matéria Prima], Pedro Carvalho acaba de lançar uma nova obra que fará muitos questionar onde procurar informação, qual a credibilidade de tudo o que aparece no feed do Instagram e Facebook. Em Os Novos Mitos que Comemos [Ideias de Ler], o nutricionista natural de Matosinhos promete “um guia para se proteger dos influencers e das dietas da moda”. Se em 2016 se falava “do leite/glúten/frutose ao embalo daquilo que era a moda do paleo/CrossFit. Hoje existem novas modas que vão desde a água/dieta alcalina a batidos detox, jejum intermitente e demonização de muitos alimentos”. A Men’s Health entrevistou o nutricionista e docente universitário e o melhor é preparar uma nova - e mais simples - lista de compras para a próxima vez que for ao supermercado. Dos mitos alimentares existentes, qual aquele que mais o inquieta? Inquieta-me qualquer mito que piore a relação das pessoas com a comida. Seja o medo de comer pão ou o de colocar ‘hidratos’ como o arroz/massa/batata no prato, o medo de comer coisas com açúcar (parece que temos de estar condenados a comer aveia para o resto da vida) e a nova forma de fazer ‘ciência’ que é assistir a um documentário em qualquer plataforma de streaming. Já tínhamos treinadores de bancada no caso do futebol, agora passamos a ter nutricionistas de bancada que se tornam especialistas depois de assistir a documentários altamente enviesados e falaciosos sobre qualquer tema. E qual o mito que acha que mais dificilmente as pessoas deixarão de acreditar? Qualquer mito que esteja mais enraizado nas crenças individuais de cada um. Seja a fábula dos alimentos biológicos ou da alimentação vegana salvarem o ambiente, de que o açúcar é um veneno e que é semelhante à cocaína ou ainda de que o jejum intermitente tem benefícios incríveis para a saúde para além do emagrecimento em si. No livro fala da questão dos superalimentos. As pessoas não se fazem de rogadas com este tipo de investimento, mas na hora de pagar por uma consulta de nutrição ficam com um pé atrás. Porque é que acha que isto acontece? É a vontade de ir pelo caminho mais fácil? Para além de quererem ir pelo caminho mais fácil, é o desejo de se sentirem especiais, diferentes e valorizadas. Uns mais que outros, todos nós achamos que somos um unicórnio e queremos tudo altamente individualizado e personalizado, para além de existir uma necessidade de marcar um status quo através da alimentação nas redes sociais. Os superalimentos instagramáveis até podem ser úteis no aumento da adesão ao plano alimentar, mas estão longe de ser a base do que quer que seja. Os verdadeiros super alimentos são aqueles que nos dão mais prazer, seja o pão com manteiga, o chocolate, os cereais açucarados, as bebidas alcoólicas e muitos outros que as pessoas tentam eliminar por completo e passam a ser muito infelizes com a sua alimentação.
A área da nutrição é das que mais facilmente tem os ditos falsos entendidos. Desde quando é que, para si, a nutrição se banalizou tanto e que riscos isso traz? Os riscos passam pelas pessoas gastarem dinheiro desnecessariamente em alimentos ou suplementos que não lhes trazem nada de positivo, mas sobretudo, quando perante doenças como o cancro abandonam os tratamentos convencionais por outros alternativos. Aí o perigo para a saúde é iminente.
O equilíbrio parece ser o caminho para uma alimentação saudável. Porém, termos como mindful eating e alimentação intuitiva tomam de assalto a forma como as pessoas encaram a alimentação. É fácil ter esta ‘consciência’ alimentar? A alimentação intuitiva baseia-se num conjunto de princípios todos eles muito bons e positivos, mas no meu entender dá demasiada liberdade a algumas pessoas que podem ter menor motivação intrínseca e autodisciplina. É uma forma positiva e saudável de encarar a alimentação quando o objetivo não passa pela perda de peso, sendo sempre necessário balizar a ingestão calórica e de macronutrientes ao longo do dia, mesmo que não seja elaborado um plano alimentar mais padronizado. Por esse mesmo aspeto é ainda mais importante ser acompanhado por um nutricionista de modo a que os objetivos (mesmo que passem apenas pela manutenção do peso) sejam atingidos.
Já no final do livro, saltou-me à vista a seguinte frase: “Ter uma alimentação saudável e praticar regularmente exercício físico é a solução para quase tudo”. Estes dois fatores continuam a não ser uma prioridade. O que é que está a falhar? As tentações alimentares são muitas e porque estar sentado no sofá a ver televisão sabe melhor do que treinar (apesar do treino induzir prazer em muitas pessoas). Logicamente que existem pessoas que têm de comer mal por questões profissionais e outras, que pela logística familiar e profissional, possuem muito pouco tempo e disponibilidade para treinar. Ainda assim, é preciso algum esforço para mudar rotinas e não ceder constantemente às tentações na alimentação. Um estilo de vida saudável não implica treinar diariamente às 7h00 durante 2 horas e comer saudável 100% das refeições, mas é necessário estabelecer os ‘mínimos olímpicos’ no treino e na alimentação para depois sim nos podermos queixar da ‘genética, metabolismo, tiroide, menopausa, celulite’ e afins.