Como o sexo muda com o avançar da idade?
A SEXUALIDADE E O PRAZER NÃO TÊM UM PRAZO DE VALIDADE, MAS É PRECISO DESCONSTRUIR O ATO SEXUAL, OLHÁ-LO ALÉM DA PENETRAÇÃO, EXPLORAR O CORPO E O DESEJO E ENCARAR AS MUDANÇAS QUE ACONTECEM AO LONGO DOS ANOS. E TODAS AS FASES DA VIDA CONTAM PARA UMA VIDA SEXUAL SAUDÁVEL E PRAZEROSA.
AORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE DESCREVE A SEXUALIDADE COMO ALGO QUE É VIVENCIADO E EXPRESSO AO LONGO DA VIDA “EM PENSAMENTOS, FANTASIAS, DESEJOS, CRENÇAS, ATITUDES, VALORES, COMPORTAMENTOS, PRÁTICAS, PAPÉIS E RELAÇÕES”.
O organismo destaca ainda que a “sexualidade é influenciada pela interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, económicos, políticos, culturais, legais, históricos, religiosos e espirituais”. E aqui começa a importância de compreender a complexidade da sexualidade. Ao contrário do que se crê em várias sociedades, a sexualidade não é padronizada, não se manifesta de igual forma em todos os homens e mulheres. Não há regras nem exceções. Não se reduz ao físico, à performance. “A sexualidade e a forma como a pessoa a vive ao longo da vida é muito íntima e particular”, diz Ana Gomes, investigadora no Sex Lab, doutorada em Psicologia e terapeuta sexual. Porém, existem crenças sexuais que se perpetuam e deixam moças, comprometendo a vida sexual e o bem-estar físico e emocional. Os homens são ainda muito conotados à ideia de virilidade, “associamos a sexualidade à função erétil, pois, tradicionalmente, a autoimagem que o tem tem de si é ter um pénis aceitável e que funcione em termos de função sexual, que seja capaz de penetrar. É a ideia que temos desde sempre e, depois, do ponto de vista social é quase uma exigência”, afirma Mário Rodrigues, urologista e coordenador de Urologia no Hospital da Cruz Vermelha. Também ao contrário do que ainda se pensa, a sexualidade não tem prazo de validade, mas uma vida sexual prazerosa e saudável ao longo da vida - sim, incluindo na velhice - beneficia do conhecimento do corpo, da relação que se tem com ele e com a cara-metade, da saúde e da forma como se encara o sexo e a sexualidade em todas as fases. Para os especialistas consultados pela Men’s Health, as disfunções sexuais são uma realidade à medida que a idade vai avançando e isso não pode ser ignorado nem desvalorizado, mas importa acabar com a ideia de que o homem está sempre pronto para o sexo e que não há sexo para lá da penetração. Há, pois, e é todo um mundo a descobrir.
SEXUALIDADE AO LONGO DA VIDA
Traçar uma linha cronológica não é uma tarefa fácil, pois são muitos os fatores internos e externos em jogo e que podem comprometer a libido, a função e o prazer sexual. A sexualidade é individual, não comparável e não mensurável, mas é possível perceber a sua evolução olhando para o lado fisiológico da questão, para o desenvolvimento do corpo e para o papel das hormonas, que, à sua maneira, vão escrevendo uma parte da história sexual de cada pessoa. Contudo, não são só as hormonas sexuais que influenciam a vida sexual masculina, nesta equação, esclarece Raquel Carvalho, da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Metabolismo e Diabetes, as hormonas tiroideias, do crescimento e do stress têm também influência. Há ainda outros aspetos que são transversais às várias fases da vida, como é o caso do ambiente, da pressão social, da toma de determinados fármacos e da saúde mental. A sexualidade não é uma ciência exata, mas compreendê-la pode ajudar a vivenciá-la de uma forma mais positiva. Vejamos. Adolescência. Dão-se as “primeiras ejaculações, que geralmente ocorrem durante o sono”, lê-se no site da Associação Portuguesa de Fertilidade. Dá-se também início à prática sexual, à exploração do pénis e à masturbação. A testosterona “atinge a concentração do adulto aos 17 anos”, diz Raquel Carvalho, e é “essencial para o desenvolvimento pubertário e aparecimento das características sexuais masculinas, como o desenvolvimento peniano e testicular”, acrescenta Lia Ferreira, assistente hospitalar de endocrinologia no Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP). Esta hormona é também “responsável pelo estímulo da função sexual e início da esparmtogénese”, frisa. Dos 20 aos 30 anos. Durante a vida adulta, “a produção de testosterona é necessária para manter as características sexuais masculinas, para a função sexual e fertilidade”, afirma Lia Ferreira. O stress envolvido no início da vida
adulta - por culpa do trabalho, da economia, da própria pressão da sociedade para se ter um par, etc. - pode interferir com a vida sexual, muito focada no desempenho físico e marcada por episódios de ejaculação rápida, “que acontece assim que existe um estímulo sexual físico, puro. No ato sexual, o homem atinge o pico de rigidez [do pénis], em três minutos ejacula e isso pode ser uma ejaculação rápida”, explica Mário Rodrigues. 40 anos. Hoje em dia, diz o urologista, o homem “na faixa etária dos 25-45 está pior [sexualmente] porque tem manifestamente um desejo hipoativo, há uma diminuição do desejo sexual”, sendo que, revela, “vemos que a testosterona está diminuída no homem urbano”, podendo o estilo de vida e a alimentação ser os culpados. Para Rui Soares, sexólogo clínico na Ibervita Health Care, na Clinic4You e na CUF Coimbra, apesar de “a questão da ereção e da capacidade de a manter” ser transversal a todas as décadas, “é mais frequente a partir dos 40”. 50 anos. É a partir desta idade que “a concentração de testosterona vai naturalmente diminuindo”, com “um ritmo de cerca de 0,5-1% por ano”. A diminuição pode ser agravada por fatores como medicamentos, ambiente ou doenças, explica a endocrinologista Raquel Carvalho. O fator de coabitação prolongada pode também ter um impacto negativo. Mário Rodrigues diz que “no início dos 50 anos, ou até mais cedo, começam a aparecer problemas relacionados com a função erétil, nomeadamente a disfunção, que se define como a dificuldade em ter uma ereção rígida o suficiente para a penetração”. +60 anos. A redução de concentração de testosterona é mais pronunciada e a função sexual pode ficar aquém do desejado. Porém, esclarece o urologista Mário Rodrigues, “aos 70 ainda é possível ter uma ereção, mas é também frequente o homem querer uma atividade sexual com ereção e não conseguir por ter disfunção”. Apesar de o desejo poder ser naturalmente menor nesta fase da vida, para Ana Gomes, a ideia de que não há de todo desejo e sexo na velhice é descabida. As pessoas mais velhas chegam mesmo a achar que não é normal sentirem desejo, encaram isso como “uma coisa atípica” e “isto não poderia estar mais errado”, conta-nos. Independentemente da idade, a obesidade e a diabetes podem também interferir com função sexual. “A relação entre a obesidade e a testosterona é bidirecional: os homens com obesidade apresentam um declínio mais acelerado nos níveis de testosterona com a idade e, por outro lado, concentrações baixas de testosterona estão associadas ao desenvolvimento de adiposidade
central e obesidade”, diz a médica Lia Ferreira, do CHUP. No caso da diabetes, continua a especialista em endocrinologia, “em pessoas com diabetes a disfunção sexual é 3 a 4 vezes mais comum e ocorre em idades mais jovens. Habitualmente manifesta-se sob a forma de ejaculação retrógrada ou impotência sexual”. Também a saúde mental e sexual andam de braços dados ao longo da vida, são ambas causa e consequência direta uma da outra. Para o psicólogo Pedro Frazão, o impacto da saúde mental na saúde sexual “é definitivo”, pois há patologias “que têm um efeito quase de epidemia, como a depressão e ansiedade” e que “interferem diretamente com a sexualidade”.
ANSIEDADE DE PERFORMANCE
A ideia de performance sexual que a maioria dos homens (e mulheres) tem - que é como quem diz, a ereção e capacidade penetrativa - é dos maiores inimigos da sexualidade masculina, o entrave para uma relação sexual mais diversificada e prazerosa. A sexualidade do homem “tem muito a ver com as questões do desempenho sexual, como se eles fossem muito socializados com a ideia de que têm de ter uma determinada performance”, lamenta Pedro Frazão, mestre em Psicologia do Desenvolvimento Humano e psicólogo no Centro Catarina Lucas - Psicologia e Desenvolvimento, em Lisboa. Para o especialista, este foco na performance pode ser negativo de várias formas e comum ao longo de toda a vida: além de injusto para os homens, pois não lhes dá margem de manobra para ‘falhar’ - como se de uma máquina exímia se tratasse -, origina uma “ansiedade antecipatória que vai reafirmando a própria ideia de falha ou ausência de desempenho”. Esse mesmo círculo vicioso nem sempre é fácil de “descontruir”, pois “as pessoas têm vergonha de falar sobre isso”, e muitas vezes, continua, “é algo que gera uma enorme frustração também no parceiro ou parceira, porque o círculo vai-se perpetuando”. “Se, mesmo na ausência de variáveis orgânicas condicionantes do desempenho, existirem problemas psicológicos associados à ansiedade, depressão ou autoconfiança, os tais estereótipos ou a sua negação poderão influenciar o resultado da interacção sexual, pela ação dos fatores neurológicos, vasculares e hormonais perturbados pelo nervosismo associado a essas ideias, mesmo que não muito conscientes. Neste caso, o pior nem é o insucesso da relação em si, mas a memória que fica dele que, muito provavelmente conduzirá, pelos fatores psicológicos já aludidos, a comportamentos disfuncionais futuros”, afirma Marcelino Mota, psicólogo e terapeuta sexual pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. A investigadora Ana Gomes defende que a ansiedade de performance é um problema que começa desde o momento em que o homem inicia a vida sexual, sempre à boleia da ideia de que tem de “estar sempre disponível para ter sexo e que para isso tem de ter uma boa ereção”. Estas ideias preconcebidas e a pressão que é colocada têm “um impacto negativo na forma como depois o homem vai explorar e expressar a sua sexualidade quando for mais velho”, destaca. A ansiedade de performance é algo que pode ser trabalhado ao longo da vida e o psicólogo Pedro Frazão explica que, o segredo pode estar na “desconstrução do que é a sexualidade, o que é duas pessoas terem uma relação sexual, o que é a proximidade, que tipo de coisas é que fazem ou não fazem e não necessariamente a ideia de um foco na penetração”. Fazer este trabalho de análise, frisa, pode ser o caminho para uma sexualidade ativa e prazerosa na velhice. Da mesma opinião é o sexólogo Rui Soares, que explica que “o ato sexual não pode ser reduzido à penetração e o apogeu da relação sexual não é
‘só’ o orgasmo”, pois, ao fazê-lo está a limitar a capacidade que o homem tem de explorar, obter e dar prazer, mantendo-se, assim, sempre preso à questão da performance penetrativa, mesmo sabendo que, em algum momento da sua vida, não será mais exequível.
O PRAZER EM TODAS AS IDADES
A diminuição da atividade sexual que vai acontecendo com o avançar da idade “não é necessariamente má, pode-se perder em frequência e ganhar-se em qualidade”, destaca a investigadora Ana Gomes. “A sexualidade nos mais velhos existe, independentemente da forma de expressão, da frequência com que acontece”, garante. Apesar de não ser possível ignorar os entraves físicos que alguns homens sofrem, estes podem ser encarados como gatilho para explorar novas formas de envolvimento sexual. A idade pode levar a uma maior descontração e conhecimento corporal, algo que o sexólogo Rui Soares diz ser “fundamental educarmos desde cedo”, mas também beneficiar de questões fisiológicas: “Uma vantagem do envelhecimento é que o tempo de ejaculação no ato sexual aumenta”, afirma Ana Gomes, embora defenda que o impacto da idade na vida sexual “depende muito da forma como a pessoa foi vivendo a sexualidade ao longo da vida” e quanto mais cedo se desprender da ideia da obrigação da performance, do sexo penetrativo e do orgasmo como momento alto do dia, melhor. E Rui Soares dá um exemplo: “Tudo evolui no sentido do aumento da qualidade de vida sexual. E isto é algo que o homem com 20 anos não entende, dado que o foco dele é a ereção forte e duradoura, e o coito fogoso, de preferência com alguns minutos de penetração e, se possível, até mais do que um orgasmo”. Olhando para a desconstrução do sexo penetrativo como uma ferramenta últil para uma vida sexual prazerosa, Marcelino Mota salienta a importância de “mudanças de estilo de vida e modificações de comportamentos, com a aprendizagem de novos estímulos do desejo e ampliação das fontes de prazer sexual, com a exploração de novas zonas erógenas e de práticas sexuais variadas que não exijam o envolvimento da penetração”. “É importante desfocar e ensinar, até porque o bem-estar da saúde sexual defendido pela OMS, pode ser atingido da mesma forma com um beijo no escroto, com o lamber a região perianal, com o toque na região inframamária ou até com a massagem no escroto durante o sexo oral”, descreve o sexólogo Rui Soares, deixando claro que “são detalhes que passam a ser sentidos como tal” e que devem ser explorados haja ou não algum tipo de disfunção, pois vão “abrir o leque de diferentes tipos de prazer”. E, ao longo da vida, o tipo de relação pode assumir-se como um pilar para a sexualidade positiva e satisfatória. “Há sempre uma dinâmica que extravasa a questão da sexualidade, tem muito que ver com a forma como a relação vai sendo construída noutras dimensões, a dimensão emocional, a dimensão afetiva, a relação do desejo”, diz Pedro Frazão, explicando que a comunicação é determinante: “se a comunicação não flui a outros níveis, muitas vezes é difícil as pessoas abordarem questões tão íntimas e tão sensíveis, como é a maneira como vivem a sua sexualidade”. Para o sexólogo Rui Soares, o fator ‘casal’ é também determinante. “É muito frequente ‘ensinarmos’ o casal a reaprender a tirar partido do envolvimento, do toque, da descoberta, da sensualidade e até de pontos de prazer que estavam adormecidos”, até porque, destaca, em casos de disfunções sexuais, “é fundamental” que sejam “vividas a dois e sejam vistas como um problema de ambos, e pelo qual interessa lutarem”, de modo a haver uma “melhoria progressiva da sexualidade do casal”.