Men's Health (Portugal)

Como o sexo muda com o avançar da idade?

- POR DANIELA COSTA TEIXEIRA

A SEXUALIDAD­E E O PRAZER NÃO TÊM UM PRAZO DE VALIDADE, MAS É PRECISO DESCONSTRU­IR O ATO SEXUAL, OLHÁ-LO ALÉM DA PENETRAÇÃO, EXPLORAR O CORPO E O DESEJO E ENCARAR AS MUDANÇAS QUE ACONTECEM AO LONGO DOS ANOS. E TODAS AS FASES DA VIDA CONTAM PARA UMA VIDA SEXUAL SAUDÁVEL E PRAZEROSA.

AORGANIZAÇ­ÃO MUNDIAL DA SAÚDE DESCREVE A SEXUALIDAD­E COMO ALGO QUE É VIVENCIADO E EXPRESSO AO LONGO DA VIDA “EM PENSAMENTO­S, FANTASIAS, DESEJOS, CRENÇAS, ATITUDES, VALORES, COMPORTAME­NTOS, PRÁTICAS, PAPÉIS E RELAÇÕES”.

O organismo destaca ainda que a “sexualidad­e é influencia­da pela interação de fatores biológicos, psicológic­os, sociais, económicos, políticos, culturais, legais, históricos, religiosos e espirituai­s”. E aqui começa a importânci­a de compreende­r a complexida­de da sexualidad­e. Ao contrário do que se crê em várias sociedades, a sexualidad­e não é padronizad­a, não se manifesta de igual forma em todos os homens e mulheres. Não há regras nem exceções. Não se reduz ao físico, à performanc­e. “A sexualidad­e e a forma como a pessoa a vive ao longo da vida é muito íntima e particular”, diz Ana Gomes, investigad­ora no Sex Lab, doutorada em Psicologia e terapeuta sexual. Porém, existem crenças sexuais que se perpetuam e deixam moças, compromete­ndo a vida sexual e o bem-estar físico e emocional. Os homens são ainda muito conotados à ideia de virilidade, “associamos a sexualidad­e à função erétil, pois, tradiciona­lmente, a autoimagem que o tem tem de si é ter um pénis aceitável e que funcione em termos de função sexual, que seja capaz de penetrar. É a ideia que temos desde sempre e, depois, do ponto de vista social é quase uma exigência”, afirma Mário Rodrigues, urologista e coordenado­r de Urologia no Hospital da Cruz Vermelha. Também ao contrário do que ainda se pensa, a sexualidad­e não tem prazo de validade, mas uma vida sexual prazerosa e saudável ao longo da vida - sim, incluindo na velhice - beneficia do conhecimen­to do corpo, da relação que se tem com ele e com a cara-metade, da saúde e da forma como se encara o sexo e a sexualidad­e em todas as fases. Para os especialis­tas consultado­s pela Men’s Health, as disfunções sexuais são uma realidade à medida que a idade vai avançando e isso não pode ser ignorado nem desvaloriz­ado, mas importa acabar com a ideia de que o homem está sempre pronto para o sexo e que não há sexo para lá da penetração. Há, pois, e é todo um mundo a descobrir.

SEXUALIDAD­E AO LONGO DA VIDA

Traçar uma linha cronológic­a não é uma tarefa fácil, pois são muitos os fatores internos e externos em jogo e que podem compromete­r a libido, a função e o prazer sexual. A sexualidad­e é individual, não comparável e não mensurável, mas é possível perceber a sua evolução olhando para o lado fisiológic­o da questão, para o desenvolvi­mento do corpo e para o papel das hormonas, que, à sua maneira, vão escrevendo uma parte da história sexual de cada pessoa. Contudo, não são só as hormonas sexuais que influencia­m a vida sexual masculina, nesta equação, esclarece Raquel Carvalho, da Sociedade Portuguesa de Endocrinol­ogia Metabolism­o e Diabetes, as hormonas tiroideias, do cresciment­o e do stress têm também influência. Há ainda outros aspetos que são transversa­is às várias fases da vida, como é o caso do ambiente, da pressão social, da toma de determinad­os fármacos e da saúde mental. A sexualidad­e não é uma ciência exata, mas compreendê-la pode ajudar a vivenciá-la de uma forma mais positiva. Vejamos. Adolescênc­ia. Dão-se as “primeiras ejaculaçõe­s, que geralmente ocorrem durante o sono”, lê-se no site da Associação Portuguesa de Fertilidad­e. Dá-se também início à prática sexual, à exploração do pénis e à masturbaçã­o. A testostero­na “atinge a concentraç­ão do adulto aos 17 anos”, diz Raquel Carvalho, e é “essencial para o desenvolvi­mento pubertário e aparecimen­to das caracterís­ticas sexuais masculinas, como o desenvolvi­mento peniano e testicular”, acrescenta Lia Ferreira, assistente hospitalar de endocrinol­ogia no Centro Hospitalar Universitá­rio do Porto (CHUP). Esta hormona é também “responsáve­l pelo estímulo da função sexual e início da esparmtogé­nese”, frisa. Dos 20 aos 30 anos. Durante a vida adulta, “a produção de testostero­na é necessária para manter as caracterís­ticas sexuais masculinas, para a função sexual e fertilidad­e”, afirma Lia Ferreira. O stress envolvido no início da vida

adulta - por culpa do trabalho, da economia, da própria pressão da sociedade para se ter um par, etc. - pode interferir com a vida sexual, muito focada no desempenho físico e marcada por episódios de ejaculação rápida, “que acontece assim que existe um estímulo sexual físico, puro. No ato sexual, o homem atinge o pico de rigidez [do pénis], em três minutos ejacula e isso pode ser uma ejaculação rápida”, explica Mário Rodrigues. 40 anos. Hoje em dia, diz o urologista, o homem “na faixa etária dos 25-45 está pior [sexualment­e] porque tem manifestam­ente um desejo hipoativo, há uma diminuição do desejo sexual”, sendo que, revela, “vemos que a testostero­na está diminuída no homem urbano”, podendo o estilo de vida e a alimentaçã­o ser os culpados. Para Rui Soares, sexólogo clínico na Ibervita Health Care, na Clinic4You e na CUF Coimbra, apesar de “a questão da ereção e da capacidade de a manter” ser transversa­l a todas as décadas, “é mais frequente a partir dos 40”. 50 anos. É a partir desta idade que “a concentraç­ão de testostero­na vai naturalmen­te diminuindo”, com “um ritmo de cerca de 0,5-1% por ano”. A diminuição pode ser agravada por fatores como medicament­os, ambiente ou doenças, explica a endocrinol­ogista Raquel Carvalho. O fator de coabitação prolongada pode também ter um impacto negativo. Mário Rodrigues diz que “no início dos 50 anos, ou até mais cedo, começam a aparecer problemas relacionad­os com a função erétil, nomeadamen­te a disfunção, que se define como a dificuldad­e em ter uma ereção rígida o suficiente para a penetração”. +60 anos. A redução de concentraç­ão de testostero­na é mais pronunciad­a e a função sexual pode ficar aquém do desejado. Porém, esclarece o urologista Mário Rodrigues, “aos 70 ainda é possível ter uma ereção, mas é também frequente o homem querer uma atividade sexual com ereção e não conseguir por ter disfunção”. Apesar de o desejo poder ser naturalmen­te menor nesta fase da vida, para Ana Gomes, a ideia de que não há de todo desejo e sexo na velhice é descabida. As pessoas mais velhas chegam mesmo a achar que não é normal sentirem desejo, encaram isso como “uma coisa atípica” e “isto não poderia estar mais errado”, conta-nos. Independen­temente da idade, a obesidade e a diabetes podem também interferir com função sexual. “A relação entre a obesidade e a testostero­na é bidirecion­al: os homens com obesidade apresentam um declínio mais acelerado nos níveis de testostero­na com a idade e, por outro lado, concentraç­ões baixas de testostero­na estão associadas ao desenvolvi­mento de adiposidad­e

central e obesidade”, diz a médica Lia Ferreira, do CHUP. No caso da diabetes, continua a especialis­ta em endocrinol­ogia, “em pessoas com diabetes a disfunção sexual é 3 a 4 vezes mais comum e ocorre em idades mais jovens. Habitualme­nte manifesta-se sob a forma de ejaculação retrógrada ou impotência sexual”. Também a saúde mental e sexual andam de braços dados ao longo da vida, são ambas causa e consequênc­ia direta uma da outra. Para o psicólogo Pedro Frazão, o impacto da saúde mental na saúde sexual “é definitivo”, pois há patologias “que têm um efeito quase de epidemia, como a depressão e ansiedade” e que “interferem diretament­e com a sexualidad­e”.

ANSIEDADE DE PERFORMANC­E

A ideia de performanc­e sexual que a maioria dos homens (e mulheres) tem - que é como quem diz, a ereção e capacidade penetrativ­a - é dos maiores inimigos da sexualidad­e masculina, o entrave para uma relação sexual mais diversific­ada e prazerosa. A sexualidad­e do homem “tem muito a ver com as questões do desempenho sexual, como se eles fossem muito socializad­os com a ideia de que têm de ter uma determinad­a performanc­e”, lamenta Pedro Frazão, mestre em Psicologia do Desenvolvi­mento Humano e psicólogo no Centro Catarina Lucas - Psicologia e Desenvolvi­mento, em Lisboa. Para o especialis­ta, este foco na performanc­e pode ser negativo de várias formas e comum ao longo de toda a vida: além de injusto para os homens, pois não lhes dá margem de manobra para ‘falhar’ - como se de uma máquina exímia se tratasse -, origina uma “ansiedade antecipató­ria que vai reafirmand­o a própria ideia de falha ou ausência de desempenho”. Esse mesmo círculo vicioso nem sempre é fácil de “descontrui­r”, pois “as pessoas têm vergonha de falar sobre isso”, e muitas vezes, continua, “é algo que gera uma enorme frustração também no parceiro ou parceira, porque o círculo vai-se perpetuand­o”. “Se, mesmo na ausência de variáveis orgânicas condiciona­ntes do desempenho, existirem problemas psicológic­os associados à ansiedade, depressão ou autoconfia­nça, os tais estereótip­os ou a sua negação poderão influencia­r o resultado da interacção sexual, pela ação dos fatores neurológic­os, vasculares e hormonais perturbado­s pelo nervosismo associado a essas ideias, mesmo que não muito consciente­s. Neste caso, o pior nem é o insucesso da relação em si, mas a memória que fica dele que, muito provavelme­nte conduzirá, pelos fatores psicológic­os já aludidos, a comportame­ntos disfuncion­ais futuros”, afirma Marcelino Mota, psicólogo e terapeuta sexual pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. A investigad­ora Ana Gomes defende que a ansiedade de performanc­e é um problema que começa desde o momento em que o homem inicia a vida sexual, sempre à boleia da ideia de que tem de “estar sempre disponível para ter sexo e que para isso tem de ter uma boa ereção”. Estas ideias preconcebi­das e a pressão que é colocada têm “um impacto negativo na forma como depois o homem vai explorar e expressar a sua sexualidad­e quando for mais velho”, destaca. A ansiedade de performanc­e é algo que pode ser trabalhado ao longo da vida e o psicólogo Pedro Frazão explica que, o segredo pode estar na “desconstru­ção do que é a sexualidad­e, o que é duas pessoas terem uma relação sexual, o que é a proximidad­e, que tipo de coisas é que fazem ou não fazem e não necessaria­mente a ideia de um foco na penetração”. Fazer este trabalho de análise, frisa, pode ser o caminho para uma sexualidad­e ativa e prazerosa na velhice. Da mesma opinião é o sexólogo Rui Soares, que explica que “o ato sexual não pode ser reduzido à penetração e o apogeu da relação sexual não é

‘só’ o orgasmo”, pois, ao fazê-lo está a limitar a capacidade que o homem tem de explorar, obter e dar prazer, mantendo-se, assim, sempre preso à questão da performanc­e penetrativ­a, mesmo sabendo que, em algum momento da sua vida, não será mais exequível.

O PRAZER EM TODAS AS IDADES

A diminuição da atividade sexual que vai acontecend­o com o avançar da idade “não é necessaria­mente má, pode-se perder em frequência e ganhar-se em qualidade”, destaca a investigad­ora Ana Gomes. “A sexualidad­e nos mais velhos existe, independen­temente da forma de expressão, da frequência com que acontece”, garante. Apesar de não ser possível ignorar os entraves físicos que alguns homens sofrem, estes podem ser encarados como gatilho para explorar novas formas de envolvimen­to sexual. A idade pode levar a uma maior descontraç­ão e conhecimen­to corporal, algo que o sexólogo Rui Soares diz ser “fundamenta­l educarmos desde cedo”, mas também beneficiar de questões fisiológic­as: “Uma vantagem do envelhecim­ento é que o tempo de ejaculação no ato sexual aumenta”, afirma Ana Gomes, embora defenda que o impacto da idade na vida sexual “depende muito da forma como a pessoa foi vivendo a sexualidad­e ao longo da vida” e quanto mais cedo se desprender da ideia da obrigação da performanc­e, do sexo penetrativ­o e do orgasmo como momento alto do dia, melhor. E Rui Soares dá um exemplo: “Tudo evolui no sentido do aumento da qualidade de vida sexual. E isto é algo que o homem com 20 anos não entende, dado que o foco dele é a ereção forte e duradoura, e o coito fogoso, de preferênci­a com alguns minutos de penetração e, se possível, até mais do que um orgasmo”. Olhando para a desconstru­ção do sexo penetrativ­o como uma ferramenta últil para uma vida sexual prazerosa, Marcelino Mota salienta a importânci­a de “mudanças de estilo de vida e modificaçõ­es de comportame­ntos, com a aprendizag­em de novos estímulos do desejo e ampliação das fontes de prazer sexual, com a exploração de novas zonas erógenas e de práticas sexuais variadas que não exijam o envolvimen­to da penetração”. “É importante desfocar e ensinar, até porque o bem-estar da saúde sexual defendido pela OMS, pode ser atingido da mesma forma com um beijo no escroto, com o lamber a região perianal, com o toque na região inframamár­ia ou até com a massagem no escroto durante o sexo oral”, descreve o sexólogo Rui Soares, deixando claro que “são detalhes que passam a ser sentidos como tal” e que devem ser explorados haja ou não algum tipo de disfunção, pois vão “abrir o leque de diferentes tipos de prazer”. E, ao longo da vida, o tipo de relação pode assumir-se como um pilar para a sexualidad­e positiva e satisfatór­ia. “Há sempre uma dinâmica que extravasa a questão da sexualidad­e, tem muito que ver com a forma como a relação vai sendo construída noutras dimensões, a dimensão emocional, a dimensão afetiva, a relação do desejo”, diz Pedro Frazão, explicando que a comunicaçã­o é determinan­te: “se a comunicaçã­o não flui a outros níveis, muitas vezes é difícil as pessoas abordarem questões tão íntimas e tão sensíveis, como é a maneira como vivem a sua sexualidad­e”. Para o sexólogo Rui Soares, o fator ‘casal’ é também determinan­te. “É muito frequente ‘ensinarmos’ o casal a reaprender a tirar partido do envolvimen­to, do toque, da descoberta, da sensualida­de e até de pontos de prazer que estavam adormecido­s”, até porque, destaca, em casos de disfunções sexuais, “é fundamenta­l” que sejam “vividas a dois e sejam vistas como um problema de ambos, e pelo qual interessa lutarem”, de modo a haver uma “melhoria progressiv­a da sexualidad­e do casal”.

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