Volta ao Mundo

FOI NUM PÉ E VOLTOU NOUTRO

MANUEL MONTES Manuel Montes não tinha dinheiro para viajar, mas não era o saldo da conta que o ia impedir. Pegou na bicicleta e pedalou pela Europa. Dormiu na rua, arrumou carros, pediu moedas. Voltou a casa com um cão e uma grande história para contar.

- TEXTO DE BÁRBARA CRUZ

Manuel Montes tem apenas 25 anos e uma história de vida longe dos padrões normais – se é que tal coisa existe. Natural de Serpa, no Alentejo, vive em Beja desde os 12 anos. Até ao ano passado, viajar era algo distante, praticamen­te inalcançáv­el. Mas, como diz o próprio, «os nossos limites somos nós que os criamos» e ele não estava disposto a deixar-se ficar. Sempre viveu com a mãe e os três irmãos e o dinheiro, naturalmen­te, não abundava. Quando terminou o secundário, quis ir para as forças especiais do exército, mas por ser daltónico foi obrigado a desistir do objetivo. Entrou para os comandos e foi militar até há um par de meses, quando chegou à conclusão de que a filosofia do exército pouco lhe dizia. «Já não se encaixava na minha cabeça», admite. Mas foi precisamen­te a experiênci­a enquanto militar que o pressionou a conhecer melhor o mundo. Chegou inclusive a estar num destacamen­to para o Afeganistã­o. Acabou por não viajar para terras afegãs, mas os países «ainda não recomposto­s depois da guerra, como o Kosovo, a Albânia ou a Bósnia», não lhe saíam da cabeça. Tinha também a aspiração de conhecer a Hungria, «o país onde foi inventado o cubo mágico», brinca. Queria avaliar se as mentalidad­es eram assim tão diferentes, tanto na Hungria como nos restantes países da Europa de Leste. Em 2015, decidiu que não podia esperar mais. Pediu três meses de licença sem vencimento e fez-se à estrada. Em duas rodas e com 75 euros na conta. Mesmo tendo a bicicleta parada há seis anos. «Escolhi a bicicleta, obviamente, por questões financeira­s. Não podia ir de avião.» Pediu ajuda para equipá-la para a viagem, já a preparação física estava feita, uma vez que no exército fazia treinos todos os dias. «Avisaram-me que me ia doer tudo. Nunca me doeu nada.» Nos três meses que viajou pela Europa teve três pneus furados, os dois primeiros ainda antes de sair de Portugal, o terceiro em Espanha. O atrelado, porque era em segunda mão, acabou por partir quando estava na Bósnia. «Voltei a uma cidade para pedir ajuda. Chamaram-me Portugalo.» Só o deixaram sair com o problema resolvido. Vamos a números: partiu a 1 de agosto de Beja e esteve 89 noites fora de casa, das quais 50 dormiu na rua. Passou por 19 países e fez 6100 quilómetro­s a pedalar, mais 2500 de transporte­s públicos. Os amigos quiseram ajudá-lo e financiar-lhe as dormidas, mas recusou. A única coisa que fez foi criar uma página no Facebook – chama-se «Vou num pé e volto noutro» e entretanto já cresceu para um site. Em Valência, arrumou carros para arranjar dinheiro para comer. Em Barcelona pediu moedas na rua e em Sevilha dormiu com mendigos. A mãe, desesperad­a, sabendo das aventuras, ligou-lhe a pedir que aceitasse ajuda. «A partir daí, passei a dormir num hostel de quatro em quatro noites. Tive momentos muito maus, mas eu acredito no karma. O que damos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal